(ENEM PPL - 2021)
O Bom-Crioulo
Com efeito, Bom-Crioulo não era somente um homem robusto, uma dessas organizações privilegiadas que trazem no corpo a sobranceira resistência do bronze e que esmagam com o peso dos músculos. […] A chibata não lhe fazia mossa; tinha costas de ferro para resistir como um hércules ao pulso do guardião Agostinho. Já nem se lembrava do número das vezes que apanhara de chibata…
[…]
Entretanto, já iam cinquenta chibatadas! Ninguém lhe ouvira um gemido, nem percebera uma contorção, um gesto qualquer de dor. Viam-se unicamente naquele costão negro as marcas do junco, umas sobre as outras, entrecruzando-se como uma grande teia de aranha, roxas e latejantes, cortando a pele em todos os sentidos.
[…]
Marinheiros e oficiais, num silêncio concentrado, alongavam o olhar, cheios de interesse, a cada golpe.
— Cento e cinquenta!
Só então houve quem visse um ponto vermelho, uma gota rubra deslizar no espinhaço negro do marinheiro e logo este ponto vermelho se transformar numa fita de sangue.
CAMINHA, A. O Bom-Crioulo. São Paulo: Martin Claret, 2006.
A prosa naturalista incorpora concepções geradas pelo cientificismo e pelo determinismo. No fragmento, a cena de tortura a Bom-Crioulo reproduz essas concepções, expressas pela
exaltação da resistência inata para legitimar a exploração de uma etnia.
defesa do estoicismo individual como forma de superação das adversidades.
concepção do ser humano como uma espécie predadora e afeita à morbidez.
observação detalhada do corpo para a identificação de características de raça.
apologia à superioridade dos organismos saudáveis para a sobrevivência da espécie.