(ENEM PPL - 2023)
Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.
ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 8 ago. 2015.
No fragmento transcrito da dedicatória “Ao leitor”, em Memórias póstumas de Brás Cubas, o autor serve-se da figura do narrador-defunto para
desqualificar o gênero romance, forma literária à qual Machado de Assis pouco se dedicou.
ressaltar a inverossimilhança dos fatos narrados, confrontados com a realidade da burguesia carioca do século XIX.
criticar a sociedade burguesa brasileira da época, valendo-se do uso da terceira pessoa e do ponto de vista distanciado.
sobrepor a “tinta da melancolia” ao aspecto humorístico, de modo a valorizar o tom sóbrio e a temática realista típicos do romance burguês brasileiro.
fazer intromissões na narrativa, introduzindo pausas no relato durante as quais estabelece com o leitor um diálogo de tom sarcástico e provocativo.