(FUVEST - 2015 - 1ª FASE)
Tornando da malograda espera do tigre, 1alcançou o capanga um casal de velhinhos, 2que seguiam diante dele o mesmo caminho, e conversavam acerca de seus negócios particulares. Das poucas palavras que apanhara, percebeu Jão Fera 3que destinavam eles uns cinquenta mil-réis, tudo quanto possuíam, à compra de mantimentos, a fim de fazer um moquirão*, com que pretendiam abrir uma boa roça.
- Mas chegará, homem? perguntou a velha.
- Há de se espichar bem, mulher!
Uma voz os interrompeu:
- Por este preço dou eu conta da roça!
- Ah! É nhô Jão!
Conheciam os velhinhos o capanga, a quem tinham por homem de palavra, e de fazer o que prometia. Aceitaram sem mais hesitação; e foram mostrar o lugar que estava destinado para o roçado.
Acompanhou-os Jão Fera; porém, 4mal seus olhos descobriram entre os utensílios a enxada, a qual ele esquecera um momento no afã de ganhar a soma precisa, que sem mais deu costas ao par de velhinhos e foi-se deixando-os embasbacados.
ALENCAR, José de. Til.
* moquirão = mutirão (mobilização coletiva para auxílio mútuo, de caráter gratuito).
Considerada no contexto histórico-social figurado no romance Til, a brusca reação de Jão Fera, narrada no final do excerto, explica-se
pela ambição ou ganância que, no período, caracterizava os homens livres não proprietários.
por sua condição de membro da Guarda Nacional, que lhe interditava o trabalho na lavoura.
pela indolência atribuída ao indígena, da qual era herdeiro o “bugre”.
pelo estigma que a escravidão fazia recair sobre o trabalho braçal.
pela ojeriza ao labor agrícola, inerente a sua condição de homem letrado.