Kant e a Filosofia Crítica
Figura 1 - Immanuel Kant - Johann Gottlieb Becker - 1768 - Schiller-Nationalmuseum - Alemanha - Johann Gottlieb Becker (1720-1782) [Public domain], <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kant_gemaelde_3.jpg">via Wikimedia Commons</a>
Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos mais importantes filósofos da modernidade por propor novas formas de pensar e discutir a obtenção de conhecimento. Problematizou tanto o Empirismo quanto o Racionalismo, influenciado pelas obras de Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650) e David Hume (1711-1776) . Além disso, desenvolveu um questionamento sobre a Metafísica a partir da análise crítica e científica. Abordaremos como construiu sua Teoria do Conhecimento e sua Crítica à Razão utilizada até então, ampliando o horizonte filosófico acerca do homem.
Immanuel Kant (1724-1804) nasceu na antiga Prússia, na cidade de Königsberg, onde frequentou a Universidade e teve uma vida diferente de outros filósofos da época. Se formou e permaneceu como professor no mesmo local, trabalhando por muitos anos até conseguir uma posição de docente na sua antiga universidade. De família simples, se tornou um dos maiores pensadores da modernidade, com doutrina e teoria que permaneceram ao longo do tempo. Se destacou por retomar a problemática da Metafísica, mas com questionamentos baseados nas ciências que tanto se desenvolveram após o Renascimento.
Antes de discutirmos as suas ideias, vale ressaltar uns pontos. Primeiro, a teoria kantiana é considerada uma das mais difíceis da modernidade e influenciou diversos filósofos posteriores. Seus conceitos e ideias são eruditos e requerem uma longa reflexão por parte do leitor. Porém, não se deve criar uma barreira com o filósofo, pois aos poucos conseguimos decifrar e interpretar suas ideias. Outro ponto que devemos ter em mente é o contexto em que escreve. Kant nasceu e viveu na época do Iluminismo. Foi o momento em que o Antigo Regime passou a ser contestado e a Prússia tinha um famoso déspota esclarecido, Frederico II, o Grande (1740-1786) que, apesar das medidas mais tolerantes e de proteção aos filósofos, ainda controlava um sistema fechado.
Na Filosofia, vimos que durante a Idade Moderna se desenvolveram duas grandes correntes: Racionalistas e Empiristas. Elas não conversavam entre si e até dentro delas havia divergências importantes. As questões que tinham base materiais, conseguiram evoluir com a construção dos métodos científicos. A Filosofia havia se especializado em analisar o mundo para que o homem obtivesse conhecimento. O autor explora, contudo, os limites da racionalidade humana, ou seja, os andaimes internos, que também necessitam de ajuda externa, do conhecimento. A preocupação residia em entender como o sujeito adquire conhecimento e não a forma em si.
Kant começou a delinear seu projeto crítico a partir do questionamento se a Metafísica poderia ser considerada como ciência. Enquanto as outras ciências como a física e a matemática possuem resoluções satisfatórias com a possibilidade de tirar a prova, a metafísica possui diversos resultados. Como a Filosofia se preocupa com as grandes temáticas como a alma, morte, imortalidade, o ser humano, além das materiais, ela também precisava se provar como ciência.
Em a Crítica à Razão Pura, de 1781, sua primeira grande obra, ele desenvolve sua questão sobre a Metafísica. Se ela pretende ser uma ciência, deveria fazer preposições, mas que não seriam iguais às feitas em outras temáticas porque o teor é diferente. Basicamente, ela precisaria ter uma representação intelectual e a sensível. Por exemplo, se é um objeto físico como uma mesa, nós conseguimos entender o predicado imbuído ao sujeito, como a finalidade dela. Também podemos, por meio da experiência, observar sua cor, seus detalhes etc. No caso da Metafísica, os temas como a imortalidade não se adequam a esses referenciais objetivos, pois não são atribuídos no tempo e no espaço. A partir disso, ele determina que ela não é possível enquanto ciência.
Uma das reflexões que levaram Kant a desenvolver sua ideia foi a Revolução Copernicana, uma alusão ao heliocentrismo de Copérnico, que mudou a observação astronômica. Seu projeto, portanto, é refletir que a Filosofia pode evoluir como as outras disciplinas e criar respostas satisfatórias para todos. Um dos pontos é aceitar que o ser humano não tem a capacidade cognitiva de saber e conhecer tudo. Assim, entendemos que conhecemos apenas como aquilo nos é mostrado. Dessa forma, ele desvia da necessidade de encontrar uma verdade absoluta por meio da razão ou do empirismo, e defende que devemos nos voltar para nossas próprias capacidades de obtenção do conhecimento. Assim, Kant cria sua Filosofia Transcendental, que reflete as possibilidades que o homem possui no nível cognoscível para interpretar o mundo a sua volta e, também, saber como agir.
Isso é uma das premissas importantes e continua seu trabalho com a Crítica à Razão Prática, de 1788, no qual, após determinar que a metafísica mobiliza as pessoas, quer refletir como a razão pode orientar nossas ações. Existem as leis naturais, que são independentes da vontade do homem. Elas são as mesmas para todos, então é um ponto de convergência, que deveria ser utilizado como exemplo para a análise da moral. Esta deveria ter um princípio guiado pela razão, assim, agiríamos pensando na comunidade, em como minha ação impacta o meu redor. Para isso, estabelece alguns Imperativos que o ser humano seguiria:
- Imperativo Hipotético: que é motivado pelos desejos pessoais, pelas vontades, que podem ser direcionadas ao bem ou não. São ações com motivações específicas, finalidades individuais. Não necessariamente são ruins, mas não deveriam ser a base moral, isto é, não deveríamos pautar a moral a partir dos desejos e vontades individuais.
- Imperativo Categórico: é motivado pela razão e é universal, por isso deveriam formular o alicerce moral da sociedade. A racionalização supõe um comportamento universalizante, uma das formulações mais conhecidas do Imperativo Categórico de Kant. Devemos agir considerando a felicidade do outro e explorar o melhor em nós mesmos. Ele não cria novas regras morais, ele aponta o caminho para que possamos estabelecer princípios universais que afetem positivamente a todos.
O “Esclarecimento” é um ponto importante para Kant, pois, vindo do contexto que já discutimos, ele prima pela autonomia do homem para pensar da forma que lhe é conveniente, mas sempre utilizando a razão. Para o autor, a reflexão é fundamental, questionar verdades absolutas, sejam políticas ou religiosas, era o caminho para que o ser humano se esclarecesse de fato. Sua teoria foi importante pois uniu tanto a percepção sensível ou intuitiva do conhecimento quando a experiência, refletindo sobre a razão em si e não sobre o mundo externo.
No Vestibular...
Kant foi uma transformação profunda no campo filosófico por conseguir aliar a Racionalidade à Experiência e criar uma teoria que priorizasse a forma como o homem utiliza sua razão ou os princípios racionais para adquirir conhecimento. Os vestibulares focam na questão da autonomia, do esclarecimento e do uso da razão.
1. (Unesp 2019) A maior violação do dever de um ser humano consigo mesmo, considerado meramente como um ser moral (a humanidade em sua própria pessoa), é o contrário da veracidade, a mentira [...]. A mentira pode ser externa [...] ou, inclusive, interna. Através de uma mentira externa, um ser humano faz de si mesmo um objeto de desprezo aos olhos dos outros; através de uma mentira interna, ele realiza o que é ainda pior: torna a si mesmo desprezível aos seus próprios olhos e viola a dignidade da humanidade em sua própria pessoa [...]. Pela mentira um ser humano descarta e, por assim dizer, aniquila sua dignidade como ser humano. [...] É possível que [a mentira] seja praticada meramente por frivolidade ou mesmo por bondade; aquele que fala pode, até mesmo, pretender atingir um fim realmente benéfico por meio dela. Mas esta maneira de perseguir este fim é, por sua simples forma, um crime de um ser humano contra sua própria pessoa e uma indignidade que deve torná-lo desprezível aos seus próprios olhos.
(Immanuel Kant. A metafísica dos costumes, 2010.)
Em sua sentença dirigida à mentira, Kant
a) considera a condenação relativa e sujeita a justificativas, de acordo com o contexto.
b) assume que cada ser humano particular representa toda a humanidade.
c) apresenta um pensamento desvinculado de pretensões racionais universalistas.
d) demonstra um juízo condenatório, com justificação em motivações religiosas.
e) assume o pressuposto de que a razão sempre é governada pelas paixões.
2. (Uel 2017) Leia os textos a seguir.
Exercita-te primeiro, caro amigo, e aprende o que é preciso conhecer para te iniciares na política; antes, não. Então, primeiro precisarás adquirir virtude, tu ou quem quer que se disponha a governar ou a administrar não só a sua pessoa e seus interesses particulares, como a cidade e as coisas a ela pertinentes. Assim, o que precisas alcançar não é o poder absoluto para fazeres o que bem entenderes contigo ou com a cidade, porém justiça e sabedoria.
PLATÃO, O primeiro Alcebíades. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2004. p. 281-285.
Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção de outro indivíduo... Sapere Aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.
KANT, I. Resposta à pergunta: que é ‘Esclarecimento’ (‘Aufklärung’). Trad. Floriano de Souza Fernandes, 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 100-117.
Tendo em vista a compreensão kantiana do Esclarecimento (Aufklärung) para a constituição de uma compreensão tipicamente moderna do humano, assinale a alternativa correta.
a) Fazer uso do próprio entendimento implica a destruição da tradição, na medida em que o poder da tradição impede a liberdade do pensamento.
b) A superação da condição de menoridade resulta do uso privado da razão, em que o indivíduo faz uso restrito do próprio entendimento.
c) A saída da menoridade instaura uma situação duradoura, pois as verdadeiras conquistas do Esclarecimento se afiguram como irreversíveis.
d) A menoridade é uma tendência decorrente da natureza humana, sendo, por esse motivo, superada no Esclarecimento, com muito esforço.
e) A condição fundamental para o Esclarecimento é a liberdade, concebida como a possibilidade de se fazer uso público da razão.
Gabarito:
Questão 1 - [B] – Como vimos acima, para Kant a filosofia moral se baseia nos princípios morais, e a razão é o único fundamento que validaria a moral humana. Para agir moralmente, o sujeito deve utilizar a razão pois esta é universal e necessária para não cairmos na individualidade. É a razão pura de validade universal.
Questão 2 - [E] – Nesta questão o Esclarecimento é um dos pontos importantes, sobretudo no que se refere ao uso da razão de forma autônoma. O individuo se torna independente do entendimento alheio, se tornando livre.
Resumão
Immanuel Kant (1724-1804) - Teoria do Conhecimento e Crítica à Razão
Problemática da Metafísica
Origem do questionamento: querela entre Racionalistas e Empiristas
Crítica á Razão Pura - 1781 - Filosofia Transcendental, que reflete as possibilidades que o homem possui no nível cognoscível para interpretar o mundo a sua volta e, também, saber como agir.
Crítica à Razão Prática – 1788 - análise da moral
Imperativo Hipotético - motivado pelos desejos pessoais
Imperativo Categórico - motivado pela razão e é universal
Esclarecimento - autonomia do homem