A Revolta dos Malês
Figura 1 - Imagem panorâmica da cidade de Salvador - Emeric Essex Vidal - aquarela - c. 1835-1837
No contexto das revoltas regenciais, a Revolta dos Malês, ocorrida em janeiro de 1835, foi uma das mais importantes da história brasileira. A liderança conduzida por negros escravos e ex-escravos transformou o motim em um dos maiores das Américas. Isso significa que as discussões sobre a escravidão circulavam pela sociedade no século XIX, e que os negros protestavam e demonstravam o descontentamento sobre a forma como eram tratados. Como em A Sabinada, a Bahia entrava em conflito com o poder central desde a época colonial. A insatisfação popular e da elite local com as medidas institucionais, sobretudo o fim da autonomia provincial, embasavam esses confrontos. A falta de inclusão social era o que afetava diretamente os negros.
Escravos não eram cidadãos, e ex-escravos não eram incorporados à sociedade, então buscavam o mínimo de direitos e reconhecimento. A Bahia tinha grande número de trabalhadores cativos, que eram propriedade dos senhores de engenho, de comerciantes e até de outros escravos. Ou seja, o sistema escravista era complexo e se modificava dentro das práticas sociais e do contexto de cada local.
A questão econômica foi um dos motivos para a revolta, e outras que ocorreram na província. O açúcar ainda era um dos principais produtos de exportação. Porém, a mão-de-obra compulsória se tornou escassa para ser adquirida, já que o valor de um escravo havia aumentado devido à concorrência com o Sul. Na década de 1830, o café começou a ganhar espaço no Sudeste, e para alimentar a necessidade de trabalhadores para as lavouras, o Nordeste passou a traficar internamente. Dessa forma, houve uma queda de mão-de-obra nos engenhos, mas a quantidade de trabalho ainda era considerável, o que sobrecarregou os que permaneceram.
Outro aspecto foi o aumento de preços, principalmente dos produtos de subsistência, como carne e farinha de mandioca, entre outros. O gado, por exemplo, foi afetado por doenças epidêmicas e as plantações sofreram com períodos de seca.
No caso dos escravos, a partir de 1807 as revoltas passaram a ficar mais frequentes, principalmente em Salvador. Os descontentamentos começaram a incomodar o governo provincial a ponto de chegar ao Rio de Janeiro. A repressão recrudesceu com sentenças mais duras e proibições de diversos níveis, como expressões religiosas e até a circulação de negros pelas cidades.
Figura 2 – Jean Baptiste Debret - The Miriam and Ira D. Wallach Division of Art, Prints and Photographs: Print Collection, The New York Public Library. "Escravas negras de diferentes nações." The New York Public Library Digital Collections. 1834 - 1839. http://digitalcollections.nypl.org/items/510d47df-7983-a3d9-e040-e00a18064a99
Os africanos que foram trazidos compulsoriamente ao Brasil tinham várias origens, portanto, possuíam tradições e religiosidades diversas. Muitos muçulmanos chegaram ao país, e, desde o início da década de 1810 se organizavam e se rebelavam. Tanto os moradores das áreas urbanas de Salvador ou do Recôncavo, quanto os quilombolas que viviam mais afastados, atacavam constantemente os donos de escravos e governantes.
Na língua iorubá os islâmicos eram conhecidos como malês. Uma das características que os diferenciava dos outros escravos era o conhecimento da leitura e escrita. O fato de serem alfabetizados era um destaque até em relação a boa parte dos brancos que eram analfabetos e, mesmo assim, ocupavam cargos administrativos.
Muitos dos malês se destacavam por não trabalharem na sexta-feira, por ser um dia sagrados, além de criarem um senso de comunidade que não era tão comum entre os escravos brasileiros. Quando os negros sequestrados chegavam ao Brasil, eram separados no porto e levado para as províncias. Assim, conscientemente, os escravistas queriam evitar a formação de grupos e comunidades que compartilhavam práticas e características. Porém, os malês tinham mais conhecimento, consultavam o Alcorão e se associavam. Uma das ações que realizavam em conjunto, por exemplo, era a arrecadação de dinheiro para comprar alforrias. Isso demonstra o uso do poder coletivo para desafiar ao máximo o sistema escravista.
Em 1835, a situação dos negros no país era complexa, pois mesmo que alguns tenham crescido economicamente, a imensa maioria não tinha oportunidade e a exclusão social atingia a todos sem distinção. Os líderes malês na trama que culminou na revolta eram Luís Sanim, Luíza Mahin – que também participou da Sabinada – Manuel Calafate, Elesbão do Carmo - o Dandará –, Pacífico Licutã e Ahuna. Estre foi escolhido para ser a autoridade do movimento, pois devido ao caráter religioso, a jihad pedia a posição de chefe que guiaria a todos.
As reivindicações principais da Revolta eram o fim da escravidão e a transformação da Bahia em uma província para os negros brasileiros e africanos. A Sociedade dos Malês encabeçou o ataque noturno que teve início no dia 25 de janeiro. Os membros se distinguiam dos outros rebeldes por usarem vestimentas típicas dos muçulmanos – o abadá – que era uma espécie de túnica branca. Várias pessoas de outras cidades, sobretudo do Recôncavo, se deslocaram até Salvador para se juntarem à causa.
A ação dos negros não passou despercebida. Rumores sobre a organização e o ataque chegaram aos ouvidos das autoridades, que lançaram uma caçada pelos líderes e pelos rebeldes, tudo isso na mesma noite em que o motim se iniciou. O objetivo era tomar as sedes administrativas e de segurança, para dominarem as cidades, uma a uma, até o Recôncavo, que era o centro do poder escravocrata desde a colônia. Não invadiam propriedades privadas e nem intentavam matar os brancos, inclusive os donos de escravos. Queriam liberar todos os escravos para construírem a província deles e acabar com a injustiça social e racial. A Guarda Nacional se espalhou por Salvador para reprimir a ação dos rebeldes, e conseguiu. Foi o fim da Revolta dos Malês.
Figura 3 - The Miriam and Ira D. Wallach Division of Art, Prints and Photographs: Print Collection, The New York Public Library. "Execução da punição - chicotada; Negros no tronco." The New York Public Library Digital Collections. 1834 - 1839.
A repressão ao movimento foi notória, sendo que os líderes capturados, e outros membros, eram condenados à prisão, açoitamento e à morte. Além disso, mais de 400 africanos foram obrigados a retornar à África. A derrota não ocorreu apenas por causa das denúncias, mas também pela dificuldade para arrebanhar mais adeptos à causa, mesmo os negros.
A revolta incidiu no governo central o medo de que insurreições escravas se tornassem frequentes. Para coibir essas ações, os parlamentares criaram leis mais severas contra os negros, sejam escravos ou homens livres. Porém, a discussão sobre o fim da escravidão ganhou ainda mais vida entre eles, além de atingirem intelectuais.
A Revolta dos Malês foi uma das mais importantes pois demonstrou a ação dos negros que eram subjugados e escravizados no Brasil. Os muçulmanos eram intelectualizados e conseguiram reunir um grupo grande em prol da causa abolicionista, mas também tinham suas reivindicações próprias. Contar essa história é fundamental para entendermos a nossa sociedade e os vestibulares buscam cada vez mais isso, um aluno com postura crítica.
1. (Mackenzie 2018) “Em agosto de 1791, passados dois anos da Revolução Francesa e dos seus reflexos em São Domingos, os escravos se revoltaram. Em uma luta que se estendeu por doze anos, eles derrotaram, por sua vez, os brancos locais e os soldados da monarquia francesa. Debelaram também uma invasão espanhola, uma expedição britânica com algo em torno de sessenta mil homens e uma expedição francesa de semelhantes dimensões comandada pelo cunhado de Bonaparte. A derrota da expedição de Bonaparte, em 1803, resultou no estabelecimento do Estado negro do Haiti, que permanece até os dias de hoje”.
C. L. R. James. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. São Paulo: Bomtempo, 2000, p.15
Acerca da independência do Haiti e de seus reflexos em outras regiões da América, assinale a alternativa correta.
a) O movimento foi realizado sob a égide dos ideais liberais e nacionalistas, defendidos, por sua vez, pelo Iluminismo francês. Seu sucesso foi determinante para a realização de importantes transformações estruturais nas sociedades das novas nações latino-americanas.
b) Trata-se de uma articulação escrava que, sob influência direta dos interesses geopolíticos estadunidenses e dos ideais iluministas, colocou em xeque o controle francês sobre a ilha. Seu sucesso incentivou o surgimento do movimento zapatista, em 1994.
c) Resultado de insatisfações sociais e políticas da população escrava, demonstrou a força popular no contexto do surgimento dos Estados nacionais na América Latina. Seu sucesso influenciou Simon Bolívar e San Martín a iniciarem as lutas pelas independências na América do Sul.
d) Apesar de seu sucesso, o movimento resultou na ascensão de governantes corruptos que, longe de resolverem as desigualdades sociais, contribuíram para a consolidação de grupos oligárquicos no poder. Esses aspectos determinaram o surgimento do caudilhismo no contexto da América Latina independente.
e) Foi a única revolta escrava bem-sucedida da História americana e as dificuldades que tiveram que superar coloca em evidência a magnitude dos interesses envolvidos. No Brasil, sua influência pôde ser sentida na articulação que levaria à Revolta dos Malês, em 1835.
2. (G1 - ifsul 2017) A Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador, Província da Bahia, na noite de 24 de janeiro de 1835, durante o Brasil Império, mais precisamente durante o Período Regencial (1831 a 1840), representou uma rápida rebelião organizada pelos escravos e que foi reprimida pelas tropas imperiais.
Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/revolta-dos-males/>. Acesso em: 22 jul. 2016. (texto adaptado).
Essa revolta representou a mobilização de cerca de 1.500 escravos africanos, os quais lutavam pela
a) libertação dos negros de origem islâmica e pela tomada do poder.
b) libertação dos índios guaranis e de outros escravos dos engenhos vizinhos.
c) independência do Brasil e pelas ideias republicanas.
d) defesa da religião católica e pela manutenção de suas crenças, cultos e costumes.
Gabarito:
Questão 1 - [E] – A independência haitiana foi de grande influência para as revoltas e movimentos abolicionistas no Brasil, pois os negros foram os líderes do movimento que também teve caráter violento.
Questão 2 - [A] – Movimento liderado por negros muçulmanos e queriam acabar com o catolicismo e com a escravidão.
Revolta dos Malês – 1835
- Negros islâmicos – mentores
- Queriam a abolição e fim do catolicismo
- Invasão a engenhos e libertação dos escravos
- Repressão feita pelos soldados nacionais
- Pena de morte e deportação à África