A Greve Geral de 1917
Figura 1 - Manifestação dos grevistas em 1917 - São Paulo - See page for author [Public domain], <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:S%C3%A3o_Paulo_(Greve_de_1917).jpg">via Wikimedia Commons</a>
A Greve Geral de 1917, ocorrida na cidade de São Paulo, foi uma das maiores mobilizações sociais da Primeira República, que se caracteriza por ser um período dominado pela atividade agrícola. Porém, houve o crescimento da atividade industrial, o que também significou o surgimento do movimento de trabalhadores. Vamos estudar as características da greve, as intenções e reivindicações dos grevistas e quais foram os impactos para a sociedade brasileira.
Como vimos em todos os textos sobre a República Oligárquica, boa parte das receitas brasileiras eram provenientes da agro exportação, sobretudo do café. Mesmo assim, o país teve incentivos industriais a partir da década de 1910, com destaque para a cidade de São Paulo. O desenvolvimento industrial e urbano estava relacionado diretamente com o dinheiro da expansão cafeeira, principalmente entre 1890 e 1900. Além disso, o Brasil tinha uma economia claudicante. Os diversos empréstimos internacionais aumentaram a dívida externa e a situação do povo era difícil. O custo de vida era alto, sobretudo na capital paulista. Os salários pagos eram insuficientes para a sobrevivência e, mesmo que isso não fosse um fato condicionante das manifestações, é importante para entender a crise que se instalara no país.
Outra ressalva em relação à cidade de São Paulo foi o alto número de imigrantes que se instalaram lá. Isso foi um diferencial não só pela abundância de mão-de-obra, mas também para a cultura local. Eles não aceitavam com facilidade os desmandos dos donos das fabricas e já tinham a tradição europeia de se reunirem para reivindicar direitos. Obras de infraestrutura como ferrovias, estradas, ruas, edifícios, entre outras, se tornaram mais frequentes naquela época.
O trabalho não tinha regulamentação no Brasil. Até 1930, os patrões podiam estabelecer horários, remunerações, e os detalhes dos contratos trabalhistas do jeito que quisessem. Assim, deflagraram-se algumas greves no início do século XX, como os ferroviários da Companhia Paulista em 1906 e os protestos no Rio de Janeiro. Todos, porém, continham reivindicações em comum: jornada de 40 horas semanais, melhores condições de trabalho, salário justo etc.
Como não foram momentos que tiveram continuidade, maiores atenções foram desprendidas para os movimentos de 1917, devido à organização. Uma das estruturas importantes foi o anarcossindicalismo, que não tinham hierarquia e os trabalhadores se autorregulariam. Tinham uma perspectiva revolucionária de ruptura das estruturas políticas e sociais vigentes por meio das mudanças trabalhistas. Buscavam o fim do estado e, dessa forma, não queriam que a instituição legislasse acerca dos direitos dos trabalhadores, pois estes deveriam se ordenar. Além deles, havia grupos que queriam apenas melhorias nas condições de trabalho.
No início de 1917, manifestações surgiram no setor têxtil, que era o mais rico e tinha maior notoriedade perante os outros setores. A “onda revolucionária” atingira a Europa devido aos problemas econômicos e sociais que viviam desde o início da Primeira Guerra Mundial. A Revolução Russa, de 1917, deu força aos movimentos de ruptura e isso também se refletiu no Brasil.
A organização de greve começou no Cotonifício Crespi, no bairro da Mooca, uma fábrica têxtil majoritariamente ocupada por trabalhadoras e crianças. As reivindicações surgiram com a adição de um turno noturno sem discussão nem compensações financeiras. A falta de negociação levou ao motim de mais de 400 trabalhadores, que demandavam a regulamentação do trabalho feminino e infantil, mudanças nos regimes de horas e o fim do imposto “pró-pátria” cobrado dos imigrantes.
A Estamparia Ipiranga se juntou ao movimento iniciado na Mooca, e mais de 1500 trabalhadores pararam a produção. O governo lidava pela primeira vez com um movimento de tais proporções, e reprimiu violentamente os grevistas, aprisionando várias pessoas. Isto motivou os trabalhadores de outras fábricas a aderirem ao movimento, e as organizações começaram. Ainda na Mooca, a Antárctica, do setor de bebidas e uma das maiores indústrias da cidade, foi paralisada em 7 de julho de 1917. A partir desse momento, o Estado percebeu que a situação era séria. A repressão aumentou assim como o confronto entre os grevistas e os policiais.
O movimento se espalhara e atingira diversos estabelecimentos devido à militância dos participantes. No dia 9 de julho, uma mobilização se colocou nos portões da indústria têxtil Mariângela, no bairro do Brás. A polícia abriu fogo, que foi revidado pelos grevistas, culminando na morte de Antônio Martinez, sapateiro e anarquista. Foi o estopim para o decreto de Greve Geral. Até aquele momento existiam cerca de 15 mil trabalhadores paralisados em 35 fábricas. Com a convocação geral, o número subiu para 45 mil.
O centro de São Paulo, onde a maiorias das fábricas estavam e, também, viviam os operários, ficou totalmente tomado. Porém, essa mobilização não estava unificada como um todo, as demandas eram diversas. Para tentar algum tipo de organização, foi criado o Comitê de Defesa Proletária liderado por sindicalistas e representantes populares. Além das reivindicações já listadas, queriam a diminuição dos preços dos produtos alimentícios, dos aluguéis e dos serviços básicos, e a anistia dos grevistas que foram presos. Mesmo com um tipo de liderança, a pluralidade de opiniões dificultava a união dos operários. O principal conflito ocorria com os anarquistas, que não queriam qualquer intermediação com os donos das fábricas e nem com o governo.
A polícia respondeu ao movimento com mais ataques, enquanto os empresários realizavam contra propostas para diminuírem a pressão popular. Foi formado, no dia 13 de julho, o Comitê de Jornalistas, que intermediariam as negociações tanto com a polícia quanto os industriais. Dois dias depois, eles sinalizaram o aceite das propostas encaminhadas aos trabalhadores. Porém, o cumprimento desses pontos não ocorreu de forma unificada. Cada empresa tomou suas próprias medidas e os trabalhos foram retomados aos poucos.
As consequências do movimento não foram institucionais, pois não houve mudanças na legislação. Porém, a tensão entre trabalhadores e empresários se manteve e as greves de 1917 se tornaram símbolo e exemplo desse descontentamento no futuro.
A Greve Geral de 1917 é um dos episódios da história brasileira que esteve silenciado nos livros escolares por muito tempo. Há alguns anos que os vestibulares passaram a incluir os acontecimentos desse período, pois são fundamentais para entendermos o processo de construção da legislação trabalhista brasileira, que tem particularidades importantes. Portanto, o aluno deve estudar esse conteúdo em comparação ao momento de desenvolvimento industrial e das reivindicações sobre os direitos trabalhistas.
1. (Uerj 2018) Miséria em revolta. Movimento grevista assume cada vez maiores proporções.
Apresenta-se com aspecto cada vez mais alarmante o movimento que começou no Cotonifício Crespi e se propagou a outras fábricas em número avultado. Não há como negar a justiça do movimento grevista. São suas causas inegáveis: salários baixos e vida caríssima. Com elas coincide a época de ouro da indústria, que trabalha como nunca e tem lucros como jamais. Censuram-se as violências dos grevistas. Entretanto, no fundo, não se encontraria uma justificação para essa atitude? Pais de família que vivem sendo explorados pelos patrões, que veem os industriais fazendo-se milionários à custa de seu suor e de sua miséria. Esses pais não podem ter a calma precisa para reclamar dentro de uma lei que não os protege, antes permite que o seu sangue seja sugado por vampiros insaciáveis.
O Combate, 12/07/1917. Adaptado de memoria.bn.br.
De greve em greve
Ao longo da história republicana, vários movimentos sociais preferiram interpretação própria da modernização, como expansão de direitos. E agiram para converter ideia em fato. São Paulo viu isso em 1917, quando assistiu a sua primeira greve geral. A cidade parou. Aderiram categorias em cascata, demandantes de melhoras salariais e de condições de trabalho. Manifestantes daquele tempo se parecem mais com os de hoje do que se possa imaginar. A resposta das autoridades de então também segue a moda. Em 1917, um jovem sapateiro espanhol foi baleado no estômago. Em 2017, um estudante teve a cabeça golpeada com um cassetete. O enterro do sapateiro virou a maior manifestação de protesto que os paulistanos tinham visto até então. Já na greve geral de abril de 2017, 35 milhões de pessoas pararam, segundo os sindicatos.
Angela Alonso - Adaptado de Folha de São Paulo, 07/05/2017.
As matérias jornalísticas referem-se a movimentos grevistas ocorridos no Brasil nos anos de 1917 e 2017, apresentando contextos diretamente associados aos conflitos entre capital e trabalho em área urbana.
Tendo como base essas matérias, as principais semelhanças entre os dois contextos mencionados se relacionam aos seguintes fatores:
a) precarização salarial e ampliação da regulação estatal
b) aumento do desemprego e revisão de leis trabalhistas
c) repressão policial e relevância das reivindicações populares
d) ilegalidade da ação sindical e desqualificação da mão de obra
2. (Fatec 2019) Leia o texto.
Assistimos ontem à entrada de cerca de 60 menores às 19 horas, na sua fábrica da Mooca. Essas crianças, entrando àquela hora, saem às 6 horas. Trabalham, pois, 11 horas a fio, em serviço noturno, apenas com um descanso de 20 minutos, à meia-noite! O pior é que elas se queixam de que são espancadas pelo mestre de fiação. [...]
Uma há com as orelhas feridas por continuados e violentos puxões. Trata-se de crianças de 12, 13 e 14 anos.
Jornal O Combate, São Paulo, 4/09/1917. Apud CENPEC; Ensinar e aprender História. V.3: ficha 10, 1998.
Considerando o contexto da industrialização de São Paulo, no início da Primeira República, assinale a alternativa correta.
a) A legislação republicana estabeleceu a obrigatoriedade do trabalho infantil como forma de disciplinar e educar as crianças das famílias de baixa renda envolvidas em pequenos delitos.
b) A participação do Brasil na Guerra Franco-Prussiana e a convocação militar dos homens obrigaram mulheres e crianças a ocupar seus postos de trabalho e a participar dos esforços de guerra.
c) A Consolidação das Leis Trabalhistas, conjunto de leis de inspiração fascista promulgadas após a abolição da escravidão, preconizava o trabalho infantil como parte do programa de qualificação profissional.
d) Os baixos salários pagos aos homens tornavam necessário o trabalho de mulheres e crianças das famílias operárias que, embora tivessem as mesmas obrigações que os homens, recebiam salários menores.
e) Os sindicatos anarquistas, fundados por operários italianos recém-chegados ao Brasil, incentivavam a participação de crianças no mercado de trabalho com o objetivo de garantir a adesão precoce aos seus ideais.
Gabarito:
Questão 1 - [C] – Os textos expõem a situação dos grevistas brasileiros em 1917 e 2017, e o ponto de intersecção está na importância de demonstrarem a insatisfação quando se sentir oprimido. Outro ponto é que houve repressão policiais nos dois momentos, e que os dois movimentos levaram a negociações com os patrões.
Questão 2 - [D] – Na Primeira República inteira não tivemos uma legislação trabalhista que protegesse os operários. A CLT só foi outorgada em 1943 após anos de discussão. Até então, a exploração por parte dos patrões era comum, sobretudo os mais vulneráveis, como mulheres e crianças.
Greve Geral de 1917 - República Oligárquica – Venceslau Brás (1914-1918)
Contexto: empréstimos internacionais; dívida externa; população pobre e sem perspectiva
Alto custo de vida
Grande número de imigrantes - tradição europeia de se reunirem para reivindicar direitos
Anarcossindicalismo: os trabalhadores se autorregulariam e perspectiva revolucionária
Organização de greve: Cotonifício Crespi - fábrica têxtil – seguido da Estamparia Ipiranga, Antárctica e fábrica Mariângela
Estopim - morte de Antônio Martinez, sapateiro e anarquista
Convocação da Greve Geral - 45 mil paralisados
Comitê de Defesa Proletária e Comitê de Jornalistas, que intermediariam as negociações tanto com a polícia quanto os industriais
Sem mudanças legislativas, negociações particulares