Revolta da Chibata – 1910
Figura 1 - João Cândido - à esquerda do homem com terno escuro - a bordo do Minas Geraes em 26 de novembro de 1910 no fim da Revolta da Chibata - See page for author [Public domain], <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Joa
A Revolta da Chibata ocorrida em 1910, foi mais um conflito em que o presidente Hermes da Fonseca (1910-1914) teve que lidar durante seu mandato. A Guerra de Canudos (1896-1897), a Guerra do Contestado (1912-1916) e, posteriormente, o Movimento Tenentista foram, junto da Chibata, confrontos que demonstraram o descontentamento popular e militar naquele período. Os militares tiveram papel ativo durante a República Oligárquica e veremos como atuaram os marinheiros, sobretudo João Cândido (1880-1969), líder da revolta e conhecido como Almirante Negro.
A Revolta da Chibata ocorreu entre 22 e 26 de novembro de 1910 na cidade do Rio de Janeiro e envolveu uma das problemáticas latentes do momento e que também se refletia na Marinha: o racismo. Em 13 de maio de 1888 foi assinada a abolição da escravatura, porém, isso não significou a inserção total dos negros na sociedade. Séculos de escravidão construíram um preconceito que se enraizou no país. O hábito de chicotear e castigar os negros nas instituições militares foi mantido mesmo com a assinatura da lei. Havia um outro ponto, era obrigatório o alistamento. Normalmente, os soldados e marinheiros eram de famílias mais pobres, portanto, havia muitos negros, enquanto o alto escalão era majoritariamente branco. A Marinha havia mudado muito pouco a sua organização interna desde o Segundo Reinado, prevalecendo a desigualdade social e racial. O destrato se estendia até na alimentação e alojamentos. Doenças relacionadas à falta de vitaminas e ambientes insalubres eram comuns, provocando a vontade de se amotinar.
Entre 1908 e 1910, alguns marinheiros foram deslocados para a Inglaterra, onde viveram meses treinando em embarcações mais tecnológicas. Além de melhorarem suas habilidades, observaram um ambiente menos hostil para todos. Isso ajudou a sedimentar a vontade de se voltarem contra os principais oficiais da Marinha. O estopim para o evento foi a punição recebida pelo marujo Marcelino Rodrigues Menezes. Ele recebeu 250 chibatadas sem descanso na frente de seus companheiros.
Figura 2 - Jornal Correio da Manhã em 24 de novembro de 1910 - [1] [Public domain], <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jornal_Correio_da_Manh%C3%A3_em_24_de_novembro_de_1910.jpg">via Wikimedia Commons</a>
Os tripulantes a bordo do navio Minas Geraes, cerca de 2000 homens, organizaram a Revolta. Elegeram como líder um dos mais antigos deles, João Cândido Felisberto (1880-1969), que ganhou o apelido de Almirante Negro. O plano era começar o ataque quando o comandante e os oficiais estivessem fora do navio. Porém, eles acabaram voltando e surpreenderam os rebeldes. O capitão João Batista das Neves conseguiu elaborar uma estratégia de defesa, mas não foi suficiente. Tanto ele quanto outros colegas do alto escalão foram mortos.
Figura 3 – João Cândido - Jornal Gazeta de Notícias de 31 de dezembro de 1912 - Jornal Gazeta de Notícias de 31 de dezembro de 1912, publicada, manchete, há mais de 100 anos. Domínio Público. [Public domain], <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gazeta_de_noticias_
A ação rebelde ocorreu de forma simultânea em várias embarcações. O Minas Geraes foi o primeiro e acabaram totalmente ocupados os navios São Paulo, Bahia e Deodoro enquanto outros tiveram ocupação parcial. A reivindicação era clara: o fim dos abusos, como o uso da chibata, e melhores condições de trabalho; sob a ameaça de um ataque à cidade. O barulho da artilharia foi ouvido em terra. Hermes da Fonseca dava uma festa no Palácio do Catete para comemorar a eleição quando recebeu a notícia da revolta. Os marinheiros escreveram um manifesto que dizia:
"Ilmo. e Exmo. Sr. presidente da República Brasileira, Cumpre-nos, comunicar a V.Excia. como Chefe da Nação Brasileira: Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá; e até então não nos chegou; rompemos o negro véu, que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo. Achando-se todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os Oficiais, os quais, tem sido os causadores da Marinha Brasileira não ser grandiosa, porque durante vinte anos de República ainda não foi bastante para tratarnos como cidadãos fardados em defesa da Pátria, mandamos esta honrada mensagem para que V. Excia. faça os Marinheiros Brasileiros possuirmos os direitos sagrados que as leis da República nos facilita, acabando com a desordem e nos dando outros gozos que venham engrandecer a Marinha Brasileira; bem assim como: retirar os oficiais incompetentes e indignos de servir a Nação Brasileira. Reformar o Código Imoral e Vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; aumentar o soldo pelos últimos planos do ilustre Senador José Carlos de Carvalho, educar os marinheiros que não tem competência para vestir a orgulhosa farda, mandar por em vigor a tabela de serviço diário, que a acompanha. Tem V.Excia. o prazo de 12 horas, para mandar-nos a resposta satisfatória, sob pena de ver a Pátria aniquilada. Bordo do Encouraçado São Paulo, em 22 de novembro de 1910. Nota: Não poderá ser interrompida a ida e volta do mensageiro. Marinheiros. Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1910."
Alguns tiros de canhão foram disparados em direção à cidade, civis morreram e os próprios rebeldes custearam as despesas do velório e enterro. O governo poderia revidar e destruir os navios tomados, o que causaria um prejuízo muito grande para a Marinha. O presidente decidiu acatar a reivindicação e começaram as negociações. Contudo, antes disso, Fonseca não queria ceder, procurava alguma forma de sair vitorioso em uma batalha militar. Os rebeldes, antevendo a movimentação oficial, se deslocavam e se organizaram a ponto de minar a iniciativa do governo. O Congresso, convencido de que algum ataque seria prejudicial a todos, votou pela anistia dos marinheiros, que deixaram as embarcações no dia 26 de novembro.
Os acordos não foram cumpridos desde o início. Os amotinados foram demitidos, alguns voltaram para seus estados, porém, outros começaram a planejar outra revolta. A cidade do Rio de Janeiro foi declarada em estado de sítio pois estaria sob ameaça. Marinheiros foram presos e 18 dos considerados mais perigosos foram transferidos para a Ilha das Cobras. Apenas dois sobreviveram aos três dias de descaso com a falta de comida, bebida, insalubridade das celas. Alguns historiadores dizem que as mortes decorreram de uma reação química causada por produtos utilizados para a limpeza.
João Cândido estava entre eles e foi transferido ao hospital psiquiátrico e inocentado da acusação de ter conspirado para uma segunda revolta. Até sua morte na década de 1960, ele escreveu sobre o motim que acabou definitivamente com os castigos na Marinha.
A Revolta da Chibata é muito importante não só para entender os problemas que ocorriam na Primeira República, sobretudo a situação dos negros na sociedade, pois mesmo com a abolição ainda eram tratados de forma secundária. Portanto, o aluno deve criar esse senso crítico, o que ajudará na interpretação das questões.
1. (Enem 2018) Os seus líderes terminaram presos e assassinados. A “marujada” rebelde foi inteiramente expulsa da esquadra. Num sentido histórico, porém, eles foram vitoriosos. A “chibata” e outros castigos físicos infamantes nunca mais foram oficialmente utilizados; a partir de então, os marinheiros – agora respeitados – teriam suas condições de vida melhoradas significativamente. Sem dúvida fizeram avançar a História.
MAESTRI, M. 1910: A revolta dos marinheiros – uma saga negra. São Paulo: Global, 1982.
A eclosão desse conflito foi resultado da tensão acumulada na Marinha do Brasil pelo(a)
a) engajamento de civis analfabetos após a emergência de guerras externas.
b) insatisfação de militares positivistas após a consolidação da política dos governadores.
c) rebaixamento de comandantes veteranos após a repressão a insurreições milenaristas.
d) sublevação das classes populares do campo após a instituição do alistamento obrigatório.
e) manutenção da mentalidade escravocrata da oficialidade após a queda do regime imperial.
2. (Udesc 2016) Sobre a Revolta da Chibata, assinale a alternativa correta.
a) Embora os marinheiros revoltosos, homens negros em sua maioria, tenham assumido o controle de grandes embarcações de guerra, não souberam como manejá-las, visto que somente oficiais de alta patente possuíam conhecimento e domínio da tecnologia necessária para conduzir as embarcações de guerra.
b) O governo não cedeu à pressão dos marinheiros revoltados e conseguiu dominar e prender todos os envolvidos. As principais lideranças foram fuziladas por formação de motim, e os demais participantes foram encaminhados a campos de trabalho no extremo norte do país.
c) O movimento foi liderado por um marinheiro negro, João Cândido, único líder que conseguiu anistia do governo e foi imediatamente liberado, uma vez que foi quem intermediou as negociações de rendição dos marinheiros.
d) O movimento foi composto exclusivamente por marinheiros negros que exigiam o fim dos castigos corporais e a criação de uma lei que penalizasse a discriminação racial nas forças armadas.
e) Além do fim do castigo corporal, o movimento exigia melhoria na alimentação, criação de uma nova tabela de serviços, que diminuísse o excesso de trabalho dos marinheiros, e anistia para todos os envolvidos na revolta.
Gabarito:
Questão 1 - [E] – O texto discute os castigos que os negros ainda recebiam mesmo após a abolição, uma continuação do tratamento que ocorria desde a época colonial e imperial.
Questão 2 - [E] – A Revolta da Chibata ocorreu devido à reivindicação de mudanças na Marinha, desde melhorias das condições de trabalho até o fim dos castigos corporais. Além disso, queriam a anistia dos amotinados para que não sofressem punições acerca do ato.
Revolta da Chibata - 22 e 26 de novembro de 1910
- Reivindicações: mudanças na Marinha, melhorias das condições de trabalho, fim dos castigos
Estopim – a punição recebida pelo marujo Marcelino Rodrigues Menezes - 250 chibatadas sem descanso
- Líder - João Cândido Felisberto (1880-1969) – “Almirante Negro”
O presidente decidiu acatar a reivindicação e começaram as negociações
O Congresso votou pela anistia