A Escravidão no Segundo Reinado
Figura 1 - Casal de ex-escravos de mãos dadas em frente ao seu barraco, em Porto Alegre, em 1900 - Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo – Site: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45559374
Foi durante o Segundo Reinado (1840-1889) que a escravidão brasileira tomou novos rumos. A legislação mudou após poucos até 1888, quando foi assinada a Lei Áurea. Seja por pressão interna, com o movimento abolicionista, ou por coerção externa, desde o início do século XIX, o sistema escravista passou a ser questionado.
Os países europeus, sobretudo a Inglaterra, passaram a condenar o uso de escravos por vários motivos. Para o Brasil, a exigência para que a mão-de-obra escrava fosse substituída por trabalhadores livres não era facilmente adaptada. D. João IV (1767-1826), inclusive, aceitou extinguir a prática paulatinamente com a assinatura do Tratado de Aliança e Amizade em 1810.
No documento, os portugueses se comprometeram a capturar negros apenas nas próprias colônias africanas, ou seja, na Guiné, Moçambique e Angola. Para acirrar ainda mais, em 1815, o tráfico no hemisfério norte foi proibido, isolando a prática aos portugueses. Com a independência, a pressão continuou, mas a predisposição do governo brasileiro não. Isso se dava porque toda a economia era baseada no sistema escravista e também fazia parte da constituição social. O ponto é que a população, de uma forma geral, não via o fim da escravidão como viável para o país.
Depois disso, outros compromissos foram firmados em 1827, 1830, e 1831, quando o regente Feijó (1784-1843) assinou a lei proibitória. Como não foi cumprida, criou-se a expressão “lei para inglês ver”. A população aceitava a prática o que deixava a situação ainda mais delicada. A Inglaterra, por sua vez, recrudesceu a busca pelos navios negreiros no Atlântico, confiscando vários que eram destinados ao Brasil.
Apenas em 1850, com a intervenção direta da Inglaterra com a Bill Aberdeen, que a lei brasileira foi aprovada e instituída. Com ela, os ingleses, já cansados da ineficiência vista e da aprovação da Tarifa Alves Branco, se davam o direito de invadir qualquer território para apreender os navios com escravos. A lei não foi unânime nem em solo europeu, nem no Brasil, pois desafiava a soberania nacional e também colocava a Inglaterra em uma posição de fiscal, o que era um problema.
Em 1850 foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico negreiro. Eusébio de Queirós (1812-1868), angolano casado com uma brasileira, foi nomeado Ministro da Justiça e tomou uma série de decisões para que a lei de 1831 fosse definitivamente cumprida. E isto aconteceu, já que a partir de 1851 a chegada de novos escravos foi praticamente extinta. As medidas agressivas da Inglaterra para eliminar a entrada de escravos no Brasil foi fundamental para que a lei de 1850 alcançasse todo o país. Contudo, a população concordava com ela, ou a situação permaneceria a mesma.
Havia muitos negros escravizados no país, o que alimentou o sistema por um tempo, sobretudo os senhores nordestinos que viam a oportunidade de vender seus escravos para compradores do Centro-Sul. Dessa forma, o tráfico interno sobreviveu. Outra mudança instaurada pela lei foi o pensamento acerca da escravidão. Esta estava com os dias contados e, com a Lei de Terras de 1850, o país se preparava para receber imigrantes.
Em 1871, mais um passo foi tomado em direção ao fim da escravidão, com a assinatura da Lei do Ventre Livre. Os filhos de escravos nascidos depois de 28 de setembro daquele ano eram livres. O proprietário seria indenizado pelo Estado se quisesse alforriar a criança ou poderia obriga-la a trabalhar compulsoriamente até os 21 anos para ressarcir o prejuízo.
A aprovação da lei, que foi encaminhada pelo Visconde do Rio Branco (1819-1880), foi polêmica, pois demonstrou a divisão social e regional no Congresso. A maioria dos que foram à favor eram do Norte e Nordeste, onde a escravidão não era mais uma das principais atividades comerciais. Já o Centro-Sul foi contra, pois a medida afetaria diretamente a manutenção do sistema. Além disso, o cumprimento não foi total porque muitos senhores ainda empregavam seus escravos nascidos após 1871.
A promulgação da lei foi importante para o financiamento da vinda de imigrantes para o Brasil. O governo concedia empréstimos aos fazendeiros para viabilizarem a chegada dos estrangeiros. Em relação à escravidão, as mudanças legislativas, que ocorriam paulatinamente, ditaram os rumos do processo.
Junto dessas decisões jurídicas, o movimento abolicionista crescia, sobretudo, após 1870, assim como os que reivindicavam a criação de uma República. Tanto a elite quanto variados grupos sociais começaram a levantar a voz contra a escravidão em jornais e discursos públicos. A discussão ganhou força sobretudo entre as classes médias urbanas, e se espalhou para o país.
Em 1885, mais uma lei foi aprovada, a Lei Saraiva-Cotejipe, ou Lei dos Sexagenários, pela qual todos os escravos com mais de 60 anos deveriam ser libertos e o proprietário receberia uma indenização. Essas recompensações financeiras demonstram porque a escravidão teve que ser abolida mais devido a problemas econômicos e políticos do que direitos humanos. Outros países viveram revoltas e insurreições dos negros cativos, que forçaram a própria liberdade. No caso do Brasil, o governo e fazendeiros trabalharam juntos para que houvesse ressarcimento.
Apesar disso, não significa que os escravos eram submissos. Na década de 1880 houve grandes debandadas das fazendas, sobretudo no Sudeste. A imigração já era uma realidade, mas muitos cafeicultores passaram a investir mais nesse tipo de mão-de-obra porque o sistema escravista declinava rapidamente.
Figura 2 - Lei Áurea - Arquivo Nacional
Em 1888, o Brasil era o único país a assegurar a escravidão. A maioria dos parlamentares não viam outra alternativa a não ser a abolição total. De início, queriam manter a recompensação, mas perceberam a dificuldade em se realizar tal medida. A possível convulsão social era uma realidade que todos os políticos e oligárquicas queriam evitar. Quatro anos antes, a província do Ceará havia decretado a emancipação, por exemplo. Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel, regente na ausência de D. Pedro II, assinou a Lei Áurea, libertando todos os escravos brasileiros.
Os números variam, pois, muitos negros tinham fugido ou ganho alforria anteriormente, porém mais de 700 mil foram libertos em maio de 1888. A grande questão a partir desse momento era como a população negra seria incorporada a uma sociedade que, por mais de 300 anos, a considerava inferir. Junto do longo processo de escravidão dos africanos sequestrados na África e dos nascidos no Brasil, veio o desenvolvimento da diferença social e econômica, arraigada do preconceito social.
Foi no Segundo Reinado que a escravidão chegou ao fim com a Lei Áurea. Até então, diversas leis foram assinadas para remediar o que seria um baque econômico ao país. Esse é um conteúdo muito importante da nossa história e os vestibulares sempre trazem questões sobre esse tema.
1. (Ufrgs 2019) Observe a tabela abaixo, que apresenta o número de africanos escravizados que desembarcaram no Brasil, após a independência, e considere o texto do historiador Sidney Chalhoub.
Período | Número de africanos escravizados que desembarcaram no Brasil |
1826-1830 |
329.670 |
1831-1835 |
101.924 |
1836-1840 | 313.784 |
1841-1845 | 162.170 |
1846-1850 | 324.991 |
1851-1855 | 8.292 |
1856-1860 | 520 |
Disponível em: <http://www.slavevoyages.org/assessment/estimates>. Acesso em: 10 set. 2018
Não obstante a proibição legal, e após decrescimento temporário nas entradas de africanos durante a primeira metade da década de 1830, o comércio negreiro, então clandestino, assumiu proporções aterradoras nos anos seguintes, impulsionado pela demanda por trabalhadores para as fazendas de café, useiro e vezeiro no logro aos cruzeiros britânicos, auxiliado pela conivência e corrupção de autoridades públicas e com o apoio de setores diversos da população. [...] Não custa meditar por um momento no que se acaba de anunciar: a riqueza e o poder dos cafeicultores, que se tornaria símbolo maior da prosperidade imperial ao longo do Segundo Reinado, viabilizaram-se ao arrepio da lei, pela aquisição de cativos provenientes de contrabando.
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista.
Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2012. p. 36-37.
Considere as seguintes afirmações sobre os dados e o texto acima.
I. O tráfico transatlântico, durante a maior parte do Império Brasileiro, foi uma prática ilegal, sustentada, entre outras coisas, pelo conluio de elites econômicas com setores da administração monárquica.
II. A flutuação do número de africanos escravizados que desembarcaram no Brasil explica-se apenas pela dinâmica de oferta e procura, sem o impacto de leis e tratados nacionais e internacionais.
III. O número de africanos escravizados teve um imediato decréscimo nos cinco anos seguintes à aprovação da Bill Aberdeen pelo parlamento britânico, que autorizava o aprisionamento de navios negreiros pela Marinha inglesa.
Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e III.
e) I, II e III.
2. (Enem 2015) TEXTO I
Em todo o país a lei de 13 de maio de 1888 libertou poucos negros em relação à população de cor. A maioria já havia conquistado a alforria antes de 1888, por meio de estratégias possíveis. No entanto, a importância histórica da lei de 1888 não pode ser mensurada apenas em termos numéricos. O impacto que a extinção da escravidão causou numa sociedade constituída a partir da legitimidade da propriedade sobre a pessoa não cabe em cifras.
ALBUQUERQUE. W. O jogo da dissimulação: Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2009 (adaptado).
TEXTO II
Nos anos imediatamente anteriores à Abolição, a população livre do Rio de Janeiro se tornou mais numerosa e diversificada. Os escravos, bem menos numerosos que antes, e com os africanos mais aculturados, certamente não se distinguiam muito facilmente dos libertos e dos pretos e pardos livres habitantes da cidade. Também já não é razoável presumir que uma pessoa de cor seja provavelmente cativa, pois os negros libertos e livres poderiam ser encontrados em toda parte.
CHALHOUB, S. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Cia. das Letras, 1990 (adaptado).
Sobre o fim da escravidão no Brasil, o elemento destacado no Texto I que complementa os argumentos apresentados no Texto II é o(a)
a) variedade das estratégias de resistência dos cativos.
b) controle jurídico exercido pelos proprietários.
c) inovação social representada pela lei.
d) ineficácia prática da libertação.
e) significado político da Abolição.
Gabarito:
Questão 1 - [A] – As duas incorretas são a II – pois a proibição do tráfico atingia profundamente todas as etapas de compra e venda de escravos; A III podemos responder a partir de análise da tabela, que mostra que mesmo com a lei de 1845, houve crescimento do tráfico.
Questão 2 - [E] – A questão é pura interpretação de texto, pois um complementa o outro em relação ao significado político da abolição.
Escravidão no Segundo Reinado
- 1850 – Bill Aberdeen
- 1850 – Lei Eusébio de Queirós
- 1850 – Lei de Terras
- 1871 – Lei do Ventre Livre
- Crescimento do movimento abolicionista
- 1885 – Lei dos Sexagenários
- 13 de maio de 1888 – Lei Áurea