(ENEM 2002) S falta o Senado aprovar o projeto de lei [sobre o uso de termos estrangeiros no Brasil] para que palavras como shopping center, delivery e drive-through sejam proibidas em nomes de estabelecimentos e marcas. Engajado nessa valorosa luta contra o inimigo ianque, que quer fazer rea de livre comrcio com nosso inculto e belo idioma, venho sugerir algumas outras medidas que sero de extrema importncia para a preservao da soberania nacional, a saber: ........ - Nenhum cidado carioca ou gacho poder dizer Tu vai em espaos pblicos do territrio nacional; - Nenhum cidado paulista poder dizer Eu lhe amo e retirar ou acrescentar o plural em sentenas como Me v um chopps e dois pastel; .......... - Nenhum dono de borracharia poder escrever cartaz com a palavra borraxaria e nenhum dono de banca de jornal anunciar Vende-se cigarros; .......... - Nenhum livro de gramtica obrigar os alunos a utilizar colocaes pronominais como casarme-ei ou ver-se-o. PIZA, Daniel. Uma proposta imodesta. O Estado de S. Paulo, So Paulo, 8/04/2001. No texto acima, o autor:
(ENEM - 2002) A crnica muitas vezes constitui um espao para reflexo sobre aspectos da sociedade em que vivemos. Eu, na rua, com pressa, e o menino segurou no meu brao, falou qualquer coisa que no entendi. Fui logo dizendo que no tinha, certa de que ele estava pedindo dinheiro. No estava. Queria saber a hora. Talvez no fosse um Menino De Famlia, mas tambm no era um Menino De Rua. assim que a gente divide. Menino De Famlia aquele bem-vestido com tnis da moda e camiseta de marca, que usa relgio e a me d outro se o dele for roubado por um Menino De Rua. Menino De Rua aquele que quando a gente passa perto segura a bolsa com fora porque pensa que ele pivete, trombadinha, ladro. (...) Na verdade no existem meninos De rua. Existem meninos NA rua. E toda vez que um menino est NA rua porque algum o botou l. Os meninos no vo sozinhos aos lugares. Assim como so postos no mundo, durante muitos anos tambm so postos onde quer que estejam. Resta ver quem os pe na rua. E por qu. (COLASSANTI, Marina. In: Eu sei, mas no devia. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.) No terceiro pargrafo em ... no existem meninos De rua. Existem meninos NA rua., a troca de De pelo Na determina que a relao de sentido entre menino e rua seja
(ENEM - 2002) Miguilim De repente l vinha um homem a cavalo. Eram dois. Um senhor de fora, o claro de roupa. Miguilim saudou, pedindo a bno. O homem trouxe o cavalo c bem junto. Ele era de culos, corado, alto, com um chapu diferente, mesmo. - Deus te abenoe, pequenino. Como teu nome? - Miguilim. Eu sou irmo do Dito. - E o seu irmo Dito o dono daqui? - No, meu senhor. O Ditinho est em glria. O homem esbarrava o avano do cavalo, que era zelado, mantedo, formoso como nenhum outro. Redizia: - Ah, no sabia, no. Deus o tenha em sua guarda... Mas que que h, Miguilim? Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, por isso que o encarava. - Por que voc aperta os olhos assim? Voc no limpo de vista? Vamos at l. Quem que est em tua casa? - Me, e os meninos... Estava Me, estava tio Terez, estavam todos. O senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha com ele, era um camarada. O senhor perguntava Me muitas coisas do Miguilim. Depois perguntava a ele mesmo: - Miguilim, espia da: quantos dedos da minha mo voc est enxergando? E agora? (ROSA, Joo Guimares. Manuelzo e Miguilim. 9a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.) Esta histria, com narrador observador em terceira pessoa, apresenta os acontecimentos da perspectiva de Miguilim. O fato de o ponto de vista do narrador ter Miguilim como referncia, inclusive espacial, fica explicitado em:
(ENEM - 2002) rico Verssimo relata, em suas memrias, um episdio da adolescncia que teve influncia significativa em sua carreira de escritor. Lembro-me de que certa noite - eu teria uns quatorze anos, quando muito - encarregaram-me de segurar uma lmpada eltrica cabeceira da mesa de operaes, enquanto um mdico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polcia Municipal haviam carneado. (...) Apesar do horror e da nusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode aguentar tudo isso sem gemer, por que no hei de poder ficar segurando esta lmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? (...) Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado at hoje a ideia de que o menos que o escritor pode fazer, numa poca de atrocidades e injustias como a nossa, acender a sua lmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escurido, propcia aos ladres, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lmpada, a despeito da nusea e do horror. Se no tivermos uma lmpada eltrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em ltimo caso, risquemos fsforos repetidamente, como um sinal de que no desertamos nosso posto. (VERSSIMO, rico. Solo de Clarineta. Tomo I. Porto Alegre: Editora Globo, 1978.) Neste texto, por meio da metfora da lmpada que ilumina a escurido, rico Verssimo define como uma das funes do escritor e, por extenso, da literatura,