(Fgv 2002) Efetivamente, em todos os pontos do reino onde se obtém a mais fina lã, portanto a mais preciosa, os senhores, os nobres e até os santos abades não se contentam mais com os rendimentos e produtos que seus antepassados costumavam retirar de seus domínios. Não lhes é mais suficiente viver de seus domínios. Não lhes é mais suficiente viver na preguiça e nos prazeres; estes homens, que nunca foram úteis à sociedade, querem-lhe ainda ser nocivos. Não deixam nenhuma parcela de terra para ser lavrada; toda ela transformou-se em pastagens. Derrubam casas, destroem aldeias, e, se poupam as igrejas, é, provavelmente, porque servem de estábulos a seus carneiros [...]
Assim, para que um insaciável devorador, peste e praga de seu próprio país, possa abarcar num único campo milhares de braças, uma quantidade de pequenos agricultores se veem escorraçados de seus bens. Uns saem enganados, outros são expulsos à força; alguns, enfim, cansados de tantos vexames, se veem forçados a vender o que possuem. Enfim, esses infelizes partem, homens e mulheres, casais, órfãos, viúvos, pais com os filhos nos braços. Todos emigram, largam seu lugares, os lugares onde viveram, e não sabem onde se refugiar. Toda a sua bagagem, que pouco valeria se tivessem a possibilidade de esperar um comprador, é cedida a preço vil, dada a necessidade de dela se desfazerem. Logo os veremos errantes, privados de qualquer recurso. Só lhes resta roubar e serem enforcados, segundo as regras.
(Thomas Morus, "A Utopia". 2. ed., Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1982, p.16.)
O texto refere-se a um importante elemento no processo de transição do feudalismo para o capitalismo na Inglaterra. Tal elemento é conhecido como:
Arroteamento, ou seja, o aproveitamento de novas terras para as atividades agrícolas.
Cercamento, ou seja, a separação e a apropriação individual das terras comuns e dos campos abertos.