(FUVEST - 2001 - 1a fase)
(...) e tudo ficou sob a guarda de Dona Plácida, suposta, e, a certos respeitos, verdadeira dona da casa.
Custou-lhe muito a aceitar a casa; farejara a intenção, e doía-lhe o ofício; mas afinal cedeu. Creio que chorava, a princípio: tinha nojo de si mesma. Ao menos, é certo que não levantou os olhos para mim durante os primeiros dois meses; falava-me com eles baixos, séria, carrancuda, às vezes triste. Eu queria angariá-la, e não me dava por ofendido, tratava-a com carinho e respeito; forcejava por obter-lhe a benevolência, depois a confiança. Quando obtive a confiança, imaginei uma história patética dos meus amores com Virgília, um caso anterior ao casamento, a resistência do pai, a dureza do marido, e não sei que outros toques de novela. Dona Plácida não rejeitou uma só página da novela; aceitou-as todas. Era uma necessidade da consciência. Ao cabo de seis meses quem nos visse a todos três juntos diria que Dona Plácida era minha sogra.
Não fui ingrato; fiz-lhe um pecúlio de cinco contos, - os cinco contos achados em Botafogo, - como um pão para a velhice. Dona Plácida agradeceu-me com lágrimas nos olhos, e nunca mais deixou de rezar por mim, todas as noites, diante de uma imagem da Virgem, que tinha no quarto. Foi assim que lhe acabou o nojo.
(Machado de Assis, MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS)
O recurso da gradação, presente em “obter-lhe a benevolência, depois a confiança”, também ocorre em:
“A ostentação da riqueza e da elegância se torna mais do que vulgar: obscena”.
“Sentindo a deslocação do ar e a crepitação dos gravetos, Baleia despertou”
“(...) o passado de Rezende era só imitação do passado, uma espécie de carbono (...)”.
“Um caso desses pode acontecer em qualquer ambiente de trabalho, num banco, numa repartição, numa igreja, num time de futebol”.
“Não admiro os envolvidos, nem os desdenho”.