(UERJ - 2018) No meio do caminho O homem ia andando e encontrou uma pedra no meio do caminho. Milhes de homens encontram uma pedra no caminho e dela se esquecem. Um poeta, que talvez nunca tenha encontrado pedra nenhuma, que fatalmente esqueceu muitas coisas, esqueceu caminhos que andou e pedras que no encontrou, fez um poema dizendo que nunca esqueceria a pedra encontrada no meio do caminho. Se a rosa uma rosa, a pedra deveria ser uma pedra, mas nem sempre . No meu primeiro dia de escola, da qual seria expulso por no saber falar o mnimo que se espera de uma criana, minha tia e madrinha, que ns chamvamos de Doneta, mas tinha outro nome do qual me esqueci, levou-me pela mo em silncio, e em silncio ia eu, sem saber o que representava o primeiro dia de escola. Quando percebi o que seria aquilo misturar-me a meninos estranhos e ferozes, ficar longe de casa e da mo da minha tia e madrinha entrei a espernear, aos berros aos quais mais tarde renunciaria por inteis. Foi ento que a tia e madrinha definiu a situao, dizendo com sabedoria: So os abrolhos, meu filho. Sim, os abrolhos comearam e at hoje no acabaram. No sei bem o que um abrolho, mas deve ser uma pedra no caminho da gente. A diferena mais substancial que bastou uma pedra no meio do caminho para que um poeta dela no se esquecesse. No sendo poeta, no me lembro de ter topado com pedra nenhuma no meio do caminho. Mas, em matria de abrolhos, sou douto. Mesmo no sabendo em que consiste um abrolho. Como disse acima, tiraram-me daquele abrolho inicial porque no sabia falar. Aprendi a escrever mal e porcamente, e os abrolhos vieram em legio. Fao fora para esquec-los, mas volta e meia penso que seria melhor encontrar uma pedra no meio do caminho. CARLOS HEITOR CONY Folha de So Paulo, 05/05/2002. A crnica No meio do caminho faz referncia a um poema de mesmo ttulo, de Carlos Drummond de Andrade, cuja primeira estrofe se l a seguir: No meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra O tipo de relao intertextual que se estabelece entre a crnica e o poema pode ser definido como:
(UERJ/2018) Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas. Considerando que o romance é de Clarice Lispector, pode-se inferir que a frase do narrador é irônica. Essa ironia está baseada na:
(UERJ/2018) Quando o narrador do romance afirma quea história é verdadeira embora inventada, ele fazalusão a um conceito importante em literatura.Esse conceito é denominado:
(UERJ 2018) COM O OUTRO NO CORPO, O ESPELHO PARTIDO O que acontece com o sentimento de identidade de uma pessoa que se depara, diante do espelho, com um rosto que no seu? Como possvel manter a convico razoavelmente estvel que nos acompanha pela vida, a respeito do nosso ser, no caso de sofrermos uma alterao radical em nossa imagem? Perguntas como essas provocaram intenso debate a respeito da tica mdica depois do transplante de parte da face em uma mulher que teve o rosto desfigurado por seu cachorro em Amiens, na Frana. Nosso sentimento de permanncia e unidade se estabelece diante do espelho, a despeito de todas as mudanas que o corpo sofre ao longo da vida. A criana humana, em um determinado estgio de maturao, identifica-se com sua imagem no espelho. Nesse caso, um transplante(ainda que parcial) que altera tanto os traos fenotpicos quanto as marcas da histria de vida inscritas na face destruiria para sempre o sentimento de identidade do transplantado? Talvez no. Ocorre que o poder do espelho esse de vidro e ao pendurado na parede no to absoluto: o espelho que importa, para o humano, o olhar de um outro humano. A cultura contempornea do narcisismo*, ao remeter as pessoas a buscar continuamente o testemunho do espelho, noconsidera que o espelho do humano , antes de mais nada, o olhar do semelhante. o reconhecimento do outro que nos confirma que existimos e que somos (mais ou menos) os mesmos ao longo da vida, na medida em que as pessoas prximas continuam a nos devolver nossa identidade. O rosto a sede do olhar que reconhece e que tambm busca reconhecimento. que o rosto no se reduz dimenso da imagem: ele a prpria presentificao de um ser humano,em sua singularidade irrecusvel. Alm disso, dentre todas as partes do corpo, o rosto a que faz apelo ao outro. A parte que se comunica, expressa amor ou dio e, sobretudo, demanda amor. A literatura pode nos ajudar a amenizar o drama da paciente francesa. O personagem Robinson Cruso do livro Sexta-feira ou os limbos do Pacfico, de Michel Tournier, perde a noo de sua identidade e enlouquece, na falta do olhar de um semelhante que lhe confirme que ele umser humano. No incio do romance, o nufrago solitrio tenta fazer da natureza seu espelho. Faz do estranho, familiar, trabalhando para civilizar a ilha e representando diante de si mesmo o papel de senhor sem escravos, mestre sem discpulos. Mas depois de algum tempo o isolamento degrada sua humanidade. A paciente francesa, que agradeceu aos mdicos a recomposio de uma face humana, ainda queno seja a sua, vai agora depender de um esforo de tolerncia e generosidade por parte dos que lhe so prximos. Parentes e amigos tero de superar o desconforto de olhar para ela e no encontrar a mesma de antes. Diante de um rosto outro, devero ainda assim confirmar que ela continua sendo ela. E amar a mulher estranha a si mesma que renasceu daquela operao. MARIA RITA KEHL Adaptado de folha.uol.com.br, 11/12/2005. A literatura pode nos ajudar a amenizar o drama da paciente francesa. No penltimo pargrafo, a histria do personagem citado pela autora refora a seguinte tese central do texto:
(UERJ - 2018/2) Guimares Rosa afirmou, em uma entrevista, que somente renovando a lngua que se pode renovar o mundo. Visando a essa renovao, recorria a neologismos e inverses pouco usuais de termos, explorando novos sentidos em seus textos. Um exemplo dessas inverses encontra-se em: