(Ufjf-pism 3 2016) TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: TEXTO I Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança: Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem (se algum houve) as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já como soía. (CAMÕES, Luís de. Rimas: Primeira parte, Sonetos. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. p. 284.) TEXTO II XXXII Se os poucos dias, que vivi contente, Foram bastantes para o meu cuidado, Que pode vir a um pobre desgraçado, Que a ideia de seu mal não acrescente! Aquele mesmo bem, que me consente, Talvez propício, meu tirano fado, Esse mesmo me diz, que o meu estado Se há de mudar em outro diferente. Leve pois a fortuna os seus favores; Eu os desprezo já; porque é loucura Comprar a tanto preço as minhas dores: Se quer, que me não queixe, a sorte escura, Ou saiba ser mais firme nos rigores, Ou saiba ser constante na brandura. (COSTA, Cláudio Manoel da. In: A poesia dos inconfidentes. Org. Domício Proença Filho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 65) No soneto XXXII de Cláudio Manoel da Costa (texto II), o eu lírico se queixa principalmente:
(UFJF - 2016/adaptada) Texto 1 Tera-feira gorda Para Lus Carlos Gos De repente ele comeou a sambar bonito e veio vindo para mim. Me olhava nos olhos quase sorrindo, uma ruga tensa entre as sobrancelhas, pedindo confirmao. Confirmei, quase sorrindo tambm, a boca gosmenta de tanta cerveja morna, vodca com coca-cola, usque nacional, gostos que eu nem identificava mais, passando de mo em mo dentro dos copos de plstico.Usava uma tanga vermelha e branca, Xang, pensei, Ians com purpurina na cara, Oxagui segurando a espada no brao levantado, Ogum Beira-Mar sambando bonito e bandido. Um movimento que descia feito onda dos quadris pelas coxas, at os ps, ondulado, ento olhava para baixo e o movimento subia outra vez, onda ao contrrio, voltando pela cintura at os ombros. Era ento que sacudia a cabea olhando para mim, cada vez mais perto. Eu estava todo suado. Todos estavam suados, mas eu no via mais ningum alm dele. Eu j o tinha visto antes, no ali. Fazia tempo, no sabia onde. Eu tinha andado por muitos lugares. Ele tinha um jeito de quem tambm tinha andado por muitos lugares. Num desses lugares, quem sabe. Aqui, ali. Mas no lembraramos antes de falar, talvez tambm nem depois. S que no havia palavras. havia o movimento, a dana, o suor, os corpos meu e dele se aproximando mornos, sem querer mais nada alm daquele chegar cada vez mais perto. Na minha frente, ficamos nos olhando. Eu tambm danava agora, acompanhando o movimento dele. Assim: quadris, coxas, ps, onda que desce, olhar para baixo, voltando pela cintura at os ombros, onda que sobe, ento sacudir os cabelos molhados, levantar a cabea e encarar sorrindo. Ele encostou o peito suado no meu. Tnhamos plos, os dois. Os plos molhados se misturavam. Ele estendeu a mo aberta, passou no meu rosto, falou qualquer coisa. O qu, perguntei. Voc gostoso, ele disse. [...] Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da minha. Parecia um figo maduro quando a gente faz com a ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de gros. Voc sabia, eu falei, que o figo no uma fruta mas uma flor que abre pra dentro. O qu, ele gritou. O figo, repeti, o figo uma flor. Mas no tinha importncia. [...] Veados, a gente ainda ouviu, recebendo na cara o vento frio do mar. A msica era s um tumtumtum de ps e tambores batendo. Eu olhei para cima e mostrei olha l as Pliades, s o que eu sabia ver, que nem raquete de tnis suspensa no cu. Voc vai pegar um resfriado, ele falou com a mo no meu ombro. Foi ento que percebi que no usvamos mscara. Lembrei que tinha lido em algum lugar que a dor a nica emoo que no usa mscara. No sentamos dor, mas aquela emoo daquela hora ali sobre ns, eu nem sei se era alegria, tambm no usava mscara. Ento pensei devagar que era proibido ou perigoso no usar mscara, ainda mais no Carnaval. [...] Mas vieram vindo, ento, e eram muitos. Foge, gritei, estendendo o brao. Minha mo agarrou um espao vazio. O pontap nas costas fez com que me levantasse. Ele ficou no cho. Estavam todos em volta. Ai-ai, gritavam, olha as loucas. Olhando para baixo, vi os olhos dele muito abertos e sem nenhuma culpa entre as outras caras dos homens. A boca molhada afundando no meio duma massa escura, o brilho de um dente cado na areia. Quis tom-lo pela mo, proteg-lo com meu corpo, mas sem querer estava sozinho e nu correndo pela areia molhada, os outros todos em volta, muito prximos. Fechando os olhos ento, como um filme contra as plpebras, eu conseguia ver trs imagens se sobrepondo. Primeiro o corpo suado dele, sambando, vindo em minha direo. Depois as Pliades, feito uma raquete de tnis suspensa no cu l em cima. E finalmente a queda lenta de um figo muito maduro, at esborrachar-se contra o cho em mil pedaos sangrentos. (ABREU, Caio Frenando. Morangos Mofados. 12 ed. Nova Fornteira: Rio de Janeiro, 2015, p. 73-78) O desfecho do conto de Caio Fernando Abreu (texto 1) apresenta uma ao, por parte da maioria dos personagens, que se caracteriza por
(Ufjf-pism 3 2016) TEXTO 1 DIGA TRINTA E TRÊS Trinta e três. Quem diria. A adolescência foi na última quinta, ainda há resquícios dela na estante de CDs, no seu vocabulário, num canto do armário uma camisa xadrez que não vê a luz do sol desde um show do Faith No More, em 1997 , mas são resquícios. Vez ou outra você está no supermercado, comprando saco de lixo, queijo minas light e amaciante, e vê uma turma de garotos e garotas carregando garrafas de Smirnoff Ice e sacolas de Doritos. Você olha para as franjas lambidas dos meninos, para os piercings das meninas e percebe, meio assustado, que aquele é um mundo distante. Sente alguma vergonha do seu carrinho. Diga trinta e três: trinta e três. Diga: o que você fez? A essa altura da estrada, uma parada é inevitável. Você desce do carro, contempla a vista do mirante. Não é um olhar para trás, como devem fazer os velhos, ao fim da vida ou devem evitar fazê-lo, dependendo , mas um olhar em volta: isso aqui sou eu. Daqui pra frente, não vai mudar muito, vai? Já deu tempo de descobrir que você não é um gênio da matemática, nem um fenômeno da ginástica olímpica. Trinta e três anos. A idade de Cristo, alguém diz, e você logo pensa, repetindo um dos cacoetes de sua faixa etária: o que ele já tinha alcançado com a minha idade? Bom, tinha transformado água em vinho, multiplicado peixes e pães, andado sobre as águas, levantado defuntos e conquistado uma multidão de fiéis em toda Judeia, Galileia, Samaria, Efraim e arredores. E você, que não tem nem casa própria? Também, naquele tempo era mais fácil você tenta se consolar , não tinha tanta concorrência e, oras, o cara era filho de Deus, o que não só abre portas, abre até o Mar Vermelho! Mas você se compara, mesmo assim: Jesus deve ter andado sobre as águas com o quê? Dezessete? Orson Welles fez Cidadão Kane com vinte e cinco. Rimbaud escreveu toda a obra até os dezenove! E você tão feliz por ter conseguido mais quinze seguidores no Twitter... (O lance do Mar Vermelho... Foi com Jesus ou com Moisés? Céus, trinta e três anos e você não sabe uma coisa dessas? Será que um dia vai saber? Quando tem treze, ou vinte e três, acha que uma hora vai aprender tudo o que não sabe, basta ficar parado que as coisas naturalmente virão e entrarão na sua cabeça. Agora você percebe que talvez passe a vida ignorando certos assuntos. Mar Vermelho. As regras do gamão. Francês.) Pense: um homem. Pense: uma mulher. Adultos, no sentido mais abstrato, como um casal num livro de inglês ou num vídeo de normas de segurança do Detran. Espécimes maduros do Homo sapiens sapiens: eles devem ter a sua idade. Talvez tenham filhos. Você tem filhos, ou ainda não? Repare no ainda não, pois, de todas as coisas que você não conquistou até agora, há que saber discernir entre as que podem vir acompanhadas por um ainda não e aquelas das quais é melhor desistir. Andar sobre as águas, gênio da matemática, fenômeno da ginástica olímpica: não é pra todo mundo. E aos trinta e três anos, meu chapa, é hora de admitir: você é todo mundo. Sei que é difícil. Viu filmes da Sessão da Tarde demais, propagandas da Nike demais, foi mimado demais para admitir que Deus não passou mais tempo moldando a sua fôrma do que a do vizinho do 71. É a não compreensão desse banal infortúnio que faz com que haja em tantos rostos de sua idade um brilho opaco, um fungo que brota onde o sol não bate forte o suficiente: o ressentimento. Acredite em mim: aos trinta e três anos, de Jesus pra baixo, todo mundo é ressentido. Não é que as pessoas vivam vidas ruins, as aspirações é que são muito altas. A Sessão da Tarde, as propagandas da Nike... Seu emprego é bom, mas o salário é ruim. O salário é bom, mas o chefe é mala. O chefe é você, mas os prazos não te dão sossego. Sempre tem um cunhado que ganha mais, um vizinho cuja grama é mais verde, o próximo cuja mulher é mais fornida; Jesus, aos trinta e três, o Orson Welles, aos vinte e cinco e o mau exemplo do Rimbaud eu nem comento. Trinta e três anos. Você para. Desce do carro. Olha em volta. Você é o que queria ser quando crescesse? Não exatamente? Por que não? Será que dá pra mudar? Quanto dá pra mudar? É preciso achar lugar no peito para as frustrações. É preciso lidar com o ressentimento e não deixar, em hipótese alguma, que ele se transforme em cinismo se ressentimento é fungo, cinismo é ferrugem. Agora volte para o carro e siga em frente. Se tudo der certo, você não está nem na metade do caminho. Diga trinta e três: trinta e três. Quem diria. PRATA, Antonio. Meio intelectual, meio de esquerda. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 170-172. TEXTO 2 Pneumotórax Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: Diga trinta e três. Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . . Respire. .............................................................................................. O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. 16. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 2000. p. 128. No segundo verso do poema (Texto 2), lê-se: A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Como podemos relacionar essa frase ao Texto 1?