(UNESP/1998)
As questões seguintes tomam por base uma passagem do Canto III de OS LUSÍADAS, de Luís de Camões (1524?-1580), um fragmento do poema épico INVENÇÃO DE ORFEU, de Jorge de Lima (18931953), e a letra do fado moderno português FORMOSA INÊS, de Rosa Lobato de Faria, gravado pelo intérprete moçambicano Paulo Bragança.
EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO
Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e di[g]no da memória
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que de[s]pois de ser morta foi Rainha.
Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fru[i]to,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxu[i]to,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.
CAMÕES, Luís de. OS LUSÍADAS. In: OBRA COMPLETA. Rio de Janeiro: Aguilar, 1963, p. 86-7.
MUSA INÊS
Estavas linda Inês posta em repouso
Mas aparentemente bela Inês;
Pois de teus olhos lindos já não ouso
Fitar o torvelinho que não vês,
O suceder dos rostos cobiçoso
Passando sem descanso sob a tez;
Que eram tudo memórias fugidias,
Máscaras sotopostas que não vias.
Tu, só tu, puro amor e glória crua,
Não sabes o que à face traduzidas.
Estavas, linda Inês, aos olhos nua,
Transparente no leito em que jazias.
Que a mente costumeira não conclua,
Nem conclua da sombra que fazias,
Pois, Inês em repouso é movimento,
Nada em Inês é inanimado e lento.
As fontes dulçurosas desta ilha
Promanam da rainha viva-morta;
O punhal que a feriu é doce tília
De que fez a atra brisa santa porta,
E em cujos ramos suave se enrodilha,
E segredos de amor ao céu transporta.
Não há na vida amor que em vão termine,
Nem vão esquecimento que o destine.
LIMA, Jorge de. INVENÇÃO DE ORFEU. In: Poesia - 3. Rio de Janeiro: INL/Aguilar, 1974, p.97.
FORMOSA INÊS
Mário Pacheco / Rosa Lobato de Faria
Antiga como a sina dos amantes,
A audácia de morder o infinito,
Acesa pelas noites delirantes,
Paixão que se fez lenda e se fez mito.
Depois foram razões que o Reino tece,
Foi o dia mais triste, o mais maldito
A espada ao alto erguida e foi a prece,
Amor desfeito em sangue... e foi o grito.
D. Pedro, desvairado brada e clama,
Leva da terra em terra a sua amada,
Não tem morada certa, pois quem ama,
Saudade tem por única morada.
Da morta, fez rainha, porque é louco,
Porque é amante e rei e português,
E eu que te cantei e sou tão pouco,
Também te beijo a mão formosa Inês.
In: O MAR - A MÚSICA DOS POVOS DE LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Oboré, ENL CDO01, 1997.
O infortúnio amoroso de D. Pedro e Inês de Castro, como já vimos, atravessa o tempo por obra de grandes escritores portugueses (além de brasileiros, espanhóis e franceses). Diversamente interpretado, se faz presente em todas as épocas e gêneros literários, às vezes tendo como fonte as antigas crônicas de Lopes de Ayala, Fernão Lopes e Rui de Pina, às vezes tendo como inspiração obras de outros clássicos portugueses. Camões deve ter-se inspirado nas trovas de Garcia de Resende (Cancioneiro Geral, 1516) para reanimar o tema nessa passagem de "Os Lusíadas". Com base nesta informação, releia atentamente os dois textos e, a seguir:
a) Explique por que é possível concluir que o escritor brasileiro Jorge de Lima teve como fonte a abordagem do tema feita por Luís de Camões.
b) Interprete o sentido figurado do signo repouso no primeiro verso de Jorge de Lima.