(UNESP- 1ª FASE)
Para responder às questões de 14 a 19, leia o trecho de um ensaio de Michel de Montaigne (1533-1592).
Há alguma razão em fazer o julgamento de um homem pelos aspectos mais comuns de sua vida; mas, tendo em vista a natural instabilidade de nossos costumes e opiniões, muitas vezes me pareceu que mesmo os bons autores estão errados em se obstinarem em formar de nós uma ideia constante e sólida. Escolhem um caráter universal e, seguindo essa imagem, vão arrumando e interpretando todas as ações de um personagem, e, se não conseguem torcê-las o suficiente, atribuem-nas à dissimulação. Creio mais dificilmente na constância dos homens do que em qualquer outra coisa, e em nada mais facilmente do que na inconstância. Quem os julgasse nos pormenores e separadamente, peça por peça, teria mais ocasiões de dizer a verdade.
Em toda a Antiguidade é difícil escolher uma dúzia de homens que tenham ordenado sua vida num projeto definido e seguro, que é o principal objetivo da sabedoria. Pois para resumi-la por inteiro numa só palavra e abranger em uma só todas as regras de nossa vida, “a sabedoria”, diz um antigo, “é sempre querer a mesma coisa, é sempre não querer a mesma coisa”, “eu não me dignaria”, diz ele, “a acrescentar ‘contanto que a tua vontade esteja certa’, pois se não está certa, é impossível que sempre seja uma só e a mesma.” Na verdade, aprendi outrora que o vício é apenas o desregramento e a falta de moderação; e, por conseguinte, é impossível o imaginarmos constante. É uma frase de Demóstenes, dizem, que “o começo de toda virtude são a reflexão e a deliberação, e seu fim e sua perfeição, a constância”. Se, guiados pela reflexão, pegássemos certa via, pegaríamos a mais bela, mas ninguém pensa antes de agir: “O que ele pediu, desdenha; exige o que acaba de abandonar; agita-se e sua vida não se dobra a nenhuma ordem.”
(Michel de Montaigne. Os ensaios: uma seleção, 2010. Adaptado.)
Do ponto de vista temático, o texto de Montaigne dialoga especialmente com a seguinte citação:
“Sou um homem; não considero alheio a mim nada do que é humano.” (Terêncio, 185-159 a.C.)
“Não se deve indagar sobre tudo: é melhor que muitas coisas permaneçam ocultas.” (Sófocles, 486-406 a.C.)
“Nunca acontece algo que, por natureza, não sejamos capazes de suportar.” (Marco Aurélio, 121-180 d.C.)
“O hábito é o melhor mestre em todas as coisas.” (Plínio, 23-79 d.C.)
“E amanhã não seremos o que fomos, nem o que somos.” (Ovídio, 43 a.C.-18 d.C.)