(UNICAMP - 2015)
Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão as mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.51.)
a) Na primeira estrofe, o eu lírico afirma categoricamente que “o coração está seco”. Que imagem, nessa primeira estrofe, explica o fato de o coração estar seco? Justifique sua resposta.
b) O último verso (“A vida apenas, sem mistificação”) fornece para o leitor o sentido fundamental do poema. Levando-se em conta o conjunto do poema, que sentido é sugerido pela palavra “mistificação”?