(ENEM - 2014)
O negócio
Grande sorriso do canino de ouro, o velho Abílio
propõe às donas que se abastecem de pão e banana:
— Como é o negócio?
De cada três dá certo com uma. Ela sorri, não
responde ou é uma promessa a recusa:
— Deus me livre, não! Hoje não...
Abílio interpelou a velha:
— Como é o negócio?
Ela concordou e, o que foi melhor, a filha também aceitou
o trato. Com a dona Julietinha foi assim. Ele se chegou:
— Como é o negócio
Ela sorriu, olhinho baixo. Abílio espreitou o cometa
partir. Manhã cedinho saltou a cerca. Sinal combinado,
duas batidas na porta da cozinha. A dona saiu para o
quintal, cuidadosa para não acordar os filhos. Ele trazia a
capa de viagem, estendida na grama orvalhada.
O vizinho espionou os dois, aprendeu o sinal. Decidiu
imitar a proeza. No crepúsculo, pum-pum, duas pancadas
fortes na porta. O marido em viagem, mas não era dia do
Abílio. Desconfiada, a moça surgiu à janela e o vizinho repetiu:
— Como é o negócio?
Diante da recusa, ele ameaçou:
— Então você quer o velho e não quer o moço? Olhe
que eu conto!
TREVISAN, D. Mistérios de Curitiba. Rio de Janeiro: Record, 1979 (fragmento)
Quanto à abordagem do tema e aos recursos expressivos, essa crônica tem um caráter:
filosófico, pois reflete sobre as mazelas sofridas pelos vizinhos.
lírico, pois relata com nostalgia o relacionamento da vizinhança.
irônico, pois apresenta com malícia a convivência entre vizinhos.
crítico, pois deprecia o que acontece nas relações de vizinhança.
didático, pois expõe uma conduta a ser evitada na relação entre vizinhos.