(INSPER 2014) Lentes da histria O que aconteceu com o sonho do fim da segregao racial que, h 50 anos, Martin Luther King anunciava para 250 mil pessoas na Marcha sobre Washington? Ele est perto de materializar-se ou continua uma esperana para o futuro? A resposta depende dos culos que vestimos. Se apanharmos a lente dos sculos e milnios, a longue dure de que falam os historiadores, h motivos para regozijo. A instituio da escravido, especialmente cruel com os negros, foi abolida de todas as legislaes do planeta. verdade que, na Mauritnia, isso ocorreu apenas em 1981, mas o fato que essa chaga que acompanhava a humanidade desde o surgimento da agricultura, 11 mil anos atrs, se tornou universalmente ilegal. Apenas 50 anos atrs, vrios Estados americanos tinham leis (Jim Crow laws) que proibiam negros at de frequentar os mesmos espaos que brancos. Na frica do Sul, a segregao de jure chegou at os anos 90. Hoje, disposies dessa natureza so no s impensveis como despertam vvida repulsa moral. Em 2008, numa espcie de clmax, o negro Barack Obama foi eleito presidente dos EUA, o que levou alguns analistas a falar em era ps-racial. Basta, porm, apanhar a lente das dcadas e passear pelos principais indicadores demogrficos para verificar que eles ainda carregam as marcas do racismo. Negros continuam significativamente mais pobres e menos instrudos que a mdia do pas. So mandados para a cadeia num ritmo seis vezes maior que o dos brancos. As Jim Crow laws foram declaradas nulas, mas alguns Estados mantm regras que, na prtica, reduzem a participao de negros em eleies. um caso clssico de copo meio cheio e meio vazio. Do ponto de vista da longue dure, estamos bem. D at para acreditar em progresso moral da humanidade. S que no vivemos na escala dos milnios, mas na das dcadas, na qual a segregao teima em continuar existindo. (Hlio Schwartsman, Folha de S. Paulo, 28/08/2013) Dentre as alternativas a seguir, identifique aquela que apresenta uma afirmao compatvel com a tese defendida pelo autor nesse artigo de opinio.
(INSPER 2014) Paralimpadas a me Certamente eu descobriria no Google, mas me deu preguia de pesquisar e, alm disso, no tem importncia saber quem inventou essa palavra grotesca, que agora a gente ouve nos noticirios de televiso e l nos jornais. O surpreendente no a inveno, pois sempre houve besteiras desse tipo, bastando lembrar os que se empenharam em no jogarmos futebol, mas ludopdio ou podoblio. O impressionante a quase universalidade da adoo dessa palavra (ainda no vi se ela colou em Portugal, mas tenho dvidas; os portugueses so bem mais ciosos de nossa lngua do que ns), cujo uso parece ter sido objeto de um decreto imperial e faz pensar em por que no classificamos isso imediatamente como uma aberrao deseducadora, desnecessria e inaceitvel, alm de subserviente a ditames sados no se sabe de que cabea desmiolada ou que interesse obscuro. Imagino que temos autonomia para isso e, se no temos, deveramos ter, pois jornal, telejornal e radiojornal implicam deveres srios em relao lngua. Sua escrita e sua fala so imitadas e tidas como padro e essa responsabilidade no pode ser encarada de forma leviana. Que cretinice essa? Que quer dizer essa palavra, cuja formao no tem nada a ver com nossa lngua? Faz muitos e muitos anos, o ento ministro do Trabalho, Antnio Magri, usou a palavra imexvel e foi gozado a torto e a direito, at porque ele no era bem um intelectual e era visto como um alvo fcil. Mas, no neologismo que talvez tenha criado, aplicou perfeitamente as regras de derivao da lngua e o vocbulo resultante no est nada errado, tanto assim que hoje encontrado em dicionrios e tem uso corrente. J o vi empregado muitas vezes, sem aluso ao ex-ministro. Infutucvel, inesculhambvel e impaquervel, por exemplo, so palavras que no se acham no dicionrio, mas qualquer falante da lngua as entende, pois esto dentro do esprito da lngua, exprimem bem o que se pretende com seu uso e constituem derivaes perfeitamente legtimas. Por que ser que aceitamos sem discutir uma excrescncia como paralimpada? (Joo Ubaldo Ribeiro, O Estado de S. Paulo, 23/09/2012) O que motivou a indignao do autor com a palavra paralimpadas foi o(a):
(INSPER - 2013/ Adaptada) O gilete dos tablets Num mundo capitalista como este em que vivemos, onde as empresas concorrem para posicionar suas marcas e fixar logotipos e slogans na cabea dos consumidores, a sndrome do Gillette pode ser decisiva para a perpetuao de um produto. isso que preocupa a concorrncia do iPad, tablet da Apple. Assim como a marca de lminas de barbear tornou-se sinnimo de toda a categoria de barbeadores, eclipsando o nome das marcas que ofereciam produtos similares, o mesmo pode estar acontecendo com o tablet lanado por Steve Jobs. O maior temor do mercado que as pessoas passem a se referir aos tablets como iPad em geral, dizendo iPad da Samsung ou iPad da Motorola, e assim por diante. (http://revistalingua.uol.com.br/textos/blog-edgard/o-gilete-dos-tablets-260395-1.asp) No campo da estilstica, a figura de linguagem abordada na matria acima recebe o nome de
(INSPER 2012) A terceira margem do rio Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informao. Do que eu mesmo me alembro, ele no figurava mais estrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. S quieto. Nossa me era quem regia, e que ralhava no dirio com a gente - minha irm, meu irmo e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa. Era a srio. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhtico, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, prpria para dever durar na gua por uns 20 ou 30 anos. Nossa me jurou muito contra a ideia. Seria que, ele, que nessas artes no vadiava, se ia propor agora para pescarias e caadas? Nosso pai nada no dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais prxima do rio, obra de nem quarto de lgua: o rio por a se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de no se poder ver a forma da outra beira. E esquecer no posso, do dia em que a canoa ficou pronta. Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, no pegou matula e trouxa, no fez a alguma recomendao. Nossa me, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de plida, mascou o beio e bramou: C vai, oc fique, voc nunca volte! Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir tambm, por uns passos. Temi a ira de nossa me, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propsito perguntei: Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa? Ele s retornou a olhar em mim e me botou a bno, com gesto me mandando para trs. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo a sombra dela por igual, feito um jacar, comprida longa. Nosso pai no voltou. Ele no tinha ido a nenhuma parte. S executava a inveno de se permanecer naqueles espaos do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela no saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que no havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos se reuniram, tomaram juntamente conselho. [...] A gente teve de se acostumar com aquilo. s penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que no queria, s com nosso pai me achava: assunto que jogava para trs meus pensamentos. O severo que era, de no se entender, de maneira nenhuma, como ele aguentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terrveis de meio-do-ano, sem arrumo, s com o chapu velho na cabea, por todas as semanas, e meses, e os anos sem fazer conta do se-ir do viver. No pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, no pisou mais em cho nem capim. [...] Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausncia: e o rio-rio-rio, o rio pondo perptuo. Eu sofria j o comeo de velhice esta vida era s o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, nsias, c de baixo, cansaos, perrenguice de reumatismo. E ele? Por qu? Devia de padecer demais. De to idoso, no ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o corao. Ele estava l, sem a minha tranquilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse se as coisas fossem outras. E fui tomando ideia. Sem fazer vspera. Sou doido? No. Na nossa casa, a palavra doido no se falava, nunca mais se falou, os anos todos, no se condenava ningum de doido. Ningum doido. Ou, ento, todos. S fiz, que fui l. Com um leno, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, a e l, o vulto. Estava ali, sentado popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforar a voz: Pai, o senhor est velho, j fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, no carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa! . . . E, assim dizendo, meu corao bateu no compasso do mais certo. Ele me escutou. Ficou em p. Manejou remo ngua, proava para c, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o brao e feito um saudar de gesto o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu no podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de l, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de alm. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdo. Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ningum soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que no foi, o que vai ficar calado. Sei que agora tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, ento, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem tambm numa canoinha de nada, nessa gua que no para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio. (ROSA, Joo Guimares. Primeiras Estrias. Rio de Janeiro: Jos Olympio, Civilizao Brasileira, Trs, 1974, p. 51-56). Considere as afirmaes sobre o narrador no conto A Terceira Margem do Rio I. Como personagem e narrador ao mesmo tempo, o filho exerce uma dupla funo na narrativa, cujo objetivo envolver afetivamente o leitor no fato narrado. II. O carter contraditrio do narrador ilustrado em Nosso pai no voltou. Ele no tinha ido a nenhuma parte. III. Em Seria que, ele, que nessas artes no vadiava, se ia propor agora para pescarias e caadas?, o narrador registra pensamentos ntimos dos personagens. Est(o) correta(s) apenas
(INSPER 2012) A morte do lpis e da caneta Boa notcia para as crianas americanas. Vai ficando optativo, nos Estados Unidos, escrever em letra de mo. Um dos ltimos a se renderem aos novos tempos o Estado de Indiana, que aposentou os cadernos de caligrafia agora em julho. O argumento que ningum precisa mais disso: as crianas fazem tudo no computador e basta ensinar-lhes um pouco de digitao. Depois do fim do papel, o fim do lpis e da caneta! Tem lgica, mas acho demais. Sou o primeiro a reclamar das inutilidades impostas aos alunos durante toda a vida escolar, mas o fim da escrita cursiva me deixa horrorizado. A mquina de calcular no eliminou a necessidade de se aprender, ao menos, a tabuada; no aceito que o teclado termine com a letra de mo. A questo vai alm do seu aspecto meramente prtico. A letra de uma pessoa como o seu rosto. Como todo mundo, gosto de ver como a cara de um escritor, de um poltico, de qualquer personalidade com quem estou travando contato - e logo os e-mails viro com o retrato do remetente, como j acontece no Facebook. (COELHO, Marcelo. Folha de So Paulo, 20/07/2011) Nesse artigo, o autor se prope acontradizera tese de que escrita cursiva
(INSPER 2011) A incapacidade de ser verdadeiro Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois drages da independncia cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A me botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que cara no ptio um pedao de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo no s ficou sem a sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chcara de Si Elpdia e queriam formar um tapete voador para transport-lo ao stimo cu, a me decidiu lev-lo ao mdico. Aps o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabea: - No h o que fazer, Dona Col. Este menino mesmo um caso de poesia. (ANDRADE, Carlos Drummond de. O sorvete e outras histrias. So Paulo: tica, 1993) No texto ocorre o discurso direto. Transposto adequadamente para o discurso indireto, teramos