(UEL 2017 - 2a fase) Leia o fragmento do conto “Colheita”, de Nélida Piñon, a seguir.
COLHEITA
[...]
Até que ele decidiu partir. [...]
Viveram juntos todas as horas disponíveis até a separação. Sua última frase foi simples: com você conheci o
paraíso. A delicadeza comoveu a mulher, embora os diálogos do homem a inquietassem. A partir desta data
trancou-se dentro de casa. [...]
Em toda a aldeia a atitude do homem representou uma rebelião a se temer. Seu nome procuravam banir de
qualquer conversa. [...]
A mulher raramente admitia uma presença em sua casa. Os presentes entravam pela janela da frente, sempre
aberta para que o sol testemunhasse a sua própria vida, mas abandonavam a casa pela porta dos fundos,
todos aparentemente intocáveis. [...]
Jamais faltou uma flor diariamente renovada próxima ao retrato do homem. Seu semblante de águia. Mas,
com o tempo, além de mudar a cor do vestido, antes triste agora sempre vermelho, e alterar o penteado, pois
decidira manter os cabelos curtos, aparados rentes à cabeça – decidiu por eliminar o retrato. [...]
Quando já se tornava penoso em excesso conservar-se dentro dos limites da casa, [...] A aldeia viu o modo
de ele bater na porta com a certeza de se avizinhar ao paraíso. Bateu três vezes, ela não respondeu. Mais
três e ela, como que tangida à reclusão, não admitia estranhos. Ele ainda herói bateu algumas vezes mais,
até que gritou seu nome, sou eu, então não vê, então não sente, ou já não vive mais, serei eu logo o único a
cumprir a promessa?
Ela sabia agora que era ele. Não consultou o coração para agitar-se, melhor viver a sua paixão. Abriu a porta
e fez da madeira seu escudo. [...]
(PIÑON, N. Melhores contos de Nélida Piñon. São Paulo: Global, 2014. p.151-159.)
Confronte a vida do casal, associada ao paraíso, com a eliminação do retrato do marido, correlacionando tais imagens com as atitudes das personagens.