(Uerj 2015)
CANÇÃO DO VER
Fomos rever o poste.
O mesmo poste de quando a gente brincava de pique
e de esconder.
1Agora ele estava tão verdinho!
O corpo recoberto de limo e borboletas.
Eu quis filmar o abandono do poste.
O seu estar parado.
O seu não ter voz.
O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com
as mãos.
Penso que a natureza o adotara em árvore.
Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos1 de passarinhos
que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos.
Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o chão − como alguém
que procurasse o chão para repouso.
Tivemos saudades de nós.
Manoel de Barros Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
1arrulos − canto ou gemido de rolas e pombas
No poema, o poste é associado à própria vida do eu poético. Nessa associação, a imagem do poste se constrói pelo seguinte recurso da linguagem:
anáfora
metáfora
sinonímia
hipérbole