(UFU - 2016 - 1 FASE/ Adaptada) Para os gregos, o passado e o futuro so os dois grandes males da vida, por serem dimenses do tempo que no existem mais, ou no existem ainda, que nos impedem de viver na nica dimenso real: o presente. O passado nos puxa para trs: se tivemos um passado feliz, ficamos nostlgicos. Se for um passado triste, ele nos mergulha no que Spinoza batizou de paixes tristes: arrependimentos, remorsos, vergonhas e culpas que amarguram a existncia e no deixam saborear o presente. Isso nos leva a procurar no futuro a esperana. Porm, segundo os gregos, a esperana tambm esvazia o presente do seu valor, em nome de um futuro incerto. Pensar que as coisas vo melhorar quando trocarmos de carro, de corte de cabelo, de sapatos ou de amigos, iluso. A esperana e a nostalgia, o futuro e o passado so 1nadas, pois o passado no existe mais e o futuro ainda no existe. Por causa deles, acabamos quase nunca vivendo na nica dimenso real do tempo: o presente. Sneca, o grande estoico romano, dizia que de tanto vivermos no passado e no futuro, no vivemos. Chegamos, ento, ao famoso carpe diem (Aproveite o dia) de Horcio. Temos que colher o dia de hoje, sem nos deixar distrair pela preocupao do dia seguinte ou pelas nostalgias passadas. Planeta, edio 488, junho 2013 (fragmento). O emprego das aspas em nadas (ref. 1) deve-se ao fato de que o autor deseja
(UFU - 2016 - 1 FASE) [...] H uma velha mxima no universo da internet que diz: No alimente os trolls (aqueles que praticam a trolagem brincadeiras ofensivas que, muitas vezes, ferem as leis). Segundo essa teoria, quanto mais a populao se incomoda e quanto mais a mdia divulga as aes desses grupos, mais eles se tornam populares e engajados. Os defensores da mxima dizem que ela deveria valer tambm para a Justia. H quem defenda que a ideia de que, medida que as autoridades perseguem esses grupos (gangues virtuais), mais malucos se dispem a desafi-las, devido sensao de impunidade inerente ao anonimato na rede. Mas, sejam eles alimentados ou no, muitos desses baderneiros virtuais esto cometendo crimes no mundo real. [...] FERRARI, Bruno. In: poca, 25 de janeiro de 2016, p. 69 (fragmento adaptado). Com o objetivo de introduzir o tema do texto, o autor cita uma mxima da internet e, na sequncia, explicita-a. O processo constitutivo dessa explicao baseia-se em uma relao
(UFU - 2016 - 1 FASE) Uma das melhores interpretaes j feitas do verbo coitadinhar, neologismo que aprendi durante um papo-furado com uma grande amiga que cega, foifeita no filme Shrek. Ela acontece no momento em que o Gato de Botas, para fugir de uma situao em que estava encurralado, esbugalhou os olhos, comprimiu o pescoo, ensaiou um choro e conseguiu, por fim, amolecer o corao dos malvados que o cercavam ilesos. [...] MARQUES, Jairo. Folha de S. Paulo, 16 de dezembro de 2015, B2 Cotidiano (fragmento). Entende-se por neologismo a criao ou atribuio de um novo sentido a uma palavra ou expresso j existente, por meio de processos tambm existentes na lngua. Com base nessa definio e na contextualizao em que o termo coitadinhar foi utilizado no filme Shrek, deduz-se que ele significa, EXCETO:
(UFU - 2016 - 1 FASE) DIONISOS DENDRITES Seu olhar verde penetra a Noite entre tochas acesas Ramos nascem de seu peito Ps percutem a pedra enegrecida Cantos ecoam tambores gritos mantos desatados. Acorre o vento ao crculo demente O vinho espuma nas taas incendiadas. Acena o deus ao bando: Mar de alvos braos Seios rompendo as tnicas gargantas dilatadas E o vaticnio do tumulto Noite Chegada do inverno aos lares Fim de guerra em campos estrangeiros. As bocas mordem colos e flancos desnudados: sombra mergulham faces convulsivas Corpos se avizinham vida fria dos valados Trmulas tades presas ao peito de Dionisos trcio. Sussurra a Noite e os risos de brios danarinos Mergulham no vrtice da festa consagrada. E quando o Sol o ingnuo olhar acende Um secreto murmrio ata num s feixe O louro trigo nascido das encostas. SILVA, Dora Ferreira da. Hdrias. So Paulo: Odysseus, 2004. p. 42-43. Considerando a leitura do poema e o uso dos recursos expressivos, em Dionisos Dendrites,
(UFU - 2016 - 1 FASE) DIONISOS DENDRITES Seu olhar verde penetra a Noite entre tochas acesas Ramos nascem de seu peito Ps percutem a pedra enegrecida Cantos ecoam tambores gritos mantos desatados. Acorre o vento ao crculo demente O vinho espuma nas taas incendiadas. Acena o deus ao bando: Mar de alvos braos Seios rompendo as tnicas gargantas dilatadas E o vaticnio do tumulto Noite Chegada do inverno aos lares Fim de guerra em campos estrangeiros. As bocas mordem colos e flancos desnudados: sombra mergulham faces convulsivas Corpos se avizinham vida fria dos valados Trmulas tades presas ao peito de Dionisos trcio. Sussurra a Noite e os risos de brios danarinos Mergulham no vrtice da festa consagrada. E quando o Sol o ingnuo olhar acende Um secreto murmrio ata num s feixe O louro trigo nascido das encostas. SILVA, Dora Ferreira da. Hdrias. So Paulo: Odysseus, 2004. p. 42-43. Ao evocar a mitologia, Dora Ferreira reativa em seu poema o mito de Dionisos. Nesse resgate do mito do deus Dionisos, o verso
(UFU - 2016 - 1 FASE) O jardim j vai se desmanchando na escurido, mas Cristina ainda v uma gravata (cinzenta?) saindo do bolso vermelho. Quer gritar de novo, mas a gravata cala a boca do grito, e j no adianta o p querer se fincar no cho nem a mo querer fugir: o Homem domina Cristina e a mo dele vai puxando, o joelho vai empurrando, o p vai castigando, o corpo todinho dele vai pressionando Cristina pra mata. Derruba ela no cho. Monta nela. O escuro toma conta de tudo. O Homem aperta a gravata na mo feito uma rdea. Com a outra mo vai arrancando, vai rasgando, se livrando de tudo que pano no caminho. Agora o Homem todo msculo. Crescendo. S afrouxa a rdea depois do gozo. Cristina mal consegue tomar flego: j sente a gravata solavancando pro pescoo e se enroscando num n. Que aperta. Aperta mais. Mais. BOJUNGA, Lygia. O abrao. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2014. p. 82 Instantes derradeiros de O abrao, a passagem narra encontro de Cristina com o Homem. Levando-se em conta o enredo da obra at seu desenrolar nesses momentos finais, Cristina
(UFU - 2016 - 1 FASE) Depreende-se, da leitura de O santo e a porca, que Ariano Suassuna, ao dialogar com a tradio, retomando a comdia Aululria, de Plauto, e O avarento, de Molire, recriando-as a partir de aspectos regionais e universais, associa
(UFU - 2016 - 1 FASE) Texto I Logo descobriu que no podia absolutamente mais se mexer. No se admirou com esse fato, pareceu-lhe antes um pouco natural que at agora tivesse conseguido se movimentar com aquelas perninhas finas. No restante sentia-se relativamente confortvel. Na realidade tinha dores no corpo, mas para ele era como se elas fossem ficar cada vez mais fracas e finalmente desaparecer por completo. A ma apodrecida nas suas costas e a regio inflamada em volta, inteiramente cobertas por uma poeira mole, quase no o incomodavam. Recordava-se da famlia com emoo e amor. Sua opinio de que precisava desaparecer era, se possvel, ainda mais decidida que a da irm. Permaneceu nesse estado de meditao vazia e pacfica at que o relgio da torre bateu a terceira hora da manh. Ele vivenciou o incio do clarear geral do dia l do lado de fora da janela. Depois, sem interveno da sua vontade, a cabea afundou completamente e das suas ventas fluiu fraco o ltimo flego. KAFKA, Franz. A metamorfose. Trad. Modesto Carone. So Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 78. Texto II Saciada, espantada, continuou a passear com os olhos mais abertos, em ateno s voltas violentas que a gua pesada dava no estmago, acordando pequenos reflexos pelo resto do corpo como luzes. A estrada subia muito. A estrada era mais bonita que o Rio de Janeiro, e subia muito. Mocinha sentou-se numa pedra que havia junto de uma rvore, para poder apreciar. O cu estava altssimo, sem nenhuma nuvem. E tinha muito passarinho que voava do abismo para a estrada. A estrada branca de sol estendia sobre um abismo verde. Ento, como estava cansada, a velha encostou a cabea no tronco da rvore e morreu. LISPECTOR, Clarice. O grande passeio. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 37-38 Embora de pocas e nacionalidades distintas, os protagonistas de A metamorfose e do conto O grande passeio tm em comum a
(UFU - 2016 - 1 FASE) Na obra Felicidade clandestina, de Clarice Lispector, h contos em que crianas so protagonistas, ora diante de situaes densas, ora leves, com suas alegrias e tristezas na relao com o outro. Nessa tessitura, o fio condutor do conto
(UFU - 2016 - 1 FASE) Com o intuito de compreender as razes do comportamento humano, a narradora do conto Felicidade clandestina, de livro homnimo de Clarice Lispector, atm-se a um fato de sua infncia, em que uma menina, filha do dono de uma livraria, percebendo o gosto da narradora pelos livros e pela leitura, promete lhe emprestar o livro As reinaes de Narizinho, de Monteiro Lobato. Entretanto, numa atitude de crueldade, sempre adia o emprstimo. Para a narradora personagem, o comportamento da menina advm
(UFU - 2016 - 1 FASE) I (...) O menino tinha no olhar um silncio de cho e na sua voz uma candura de Fontes. O Pai achava que a gente queria desver o mundo para encontrar nas palavras novas coisas de ver assim: eu via a manh pousada sobre as margens do rio do mesmo modo que uma gara aberta na solido de uma pedra. (...) BARROS, Manoel de. Menino do mato. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2015. p.13 Em Menino do mato, um eu lrico menino tem o desejo de apreender, sem se preocupar com explicaes, as coisas do mundo, criar novidades por meio das palavras e de sua inocncia pueril. Essa mesma ideia perpassa o fragmento:
(UFU - 2016 - 1 FASE) Havia em Recife inmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincvamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes. Aquele branco meu. No, eu j disse que os brancos so meus. Mas esse no totalmente branco, tem janelas verdes. Parvamos s vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando. [...] Numa das brincadeiras de essa casa minha, paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores. LISPECTOR, Clarice. Cem anos de perdo. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 60. A narrativa de fico joga com sentidos duplos e figurados e explora as variadas possibilidades da linguagem. Na obra de Clarice Lispector, para atingir uma maior expressividade na construo do texto, destaca-se ainda a epifania. Considerando-se o conceito de epifania na obra dessa autora, pode-se ler o conto Cem anos de perdo como
(UFU - 2016 - 1 FASE) Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distrada edifcios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda no percebera que na verdade no estava distrada, estava era de uma ateno sem esforo, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e toa. Pouco a pouco que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade ento se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Tive ento um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a me de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotncia ou glria, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a me do que existe. Soube tambm que se tudo isso fosse mesmo o que eu sentia e no possivelmente um equvoco de sentimento que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitvel a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e no ocorrera antes apenas porque no tinha podido ser. Sei que se ama ao que Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverncia. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho no o reduz, at o alarga, assim ser me do mundo era o meu amor apenas livre. E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaava-me toda em pnico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteiro encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que no queriam mais ver. Mas a imagem colava-se s plpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os ps esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos. LISPECTOR, Clarice. Perdoando Deus. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 41. O fragmento evidencia as percepes iniciais da personagem narradora. Tais percepes, no desenrolar do conto, so caracterizadas pela