(UNIFESP 2011) As provocaes no recreio eram frequentes, oriundas do enfado; irritadios todos como feridas; os inspetores a cada passo precisavam intervir em conflitos; as importunaes andavam em busca das suscetibilidades; as suscetibilidades a procurar a sarna das importunaes. Viam de joelhos o Franco, puxavam-lhe os cabelos. Viam Rmulo passar, lanavam-lhe o apelido: mestre-cuca! Esta provocao era, alm de tudo, inverdade. Cozinheiro, Rmulo! S porque lembrava culinria, com a carnosidade bamba, fofada dos pasteles, ou porque era gordo das enxndias enganadoras dos fregistas, dissoluo mrbida de sardinha e azeite, sob os aspectos de mais volumosa sade? (...) Rmulo era antipatizado. Para que o no manifestassem excessivamente, fazia-se temer pela brutalidade. Ao mais insignificante gracejo de um pequeno, atirava contra o infeliz toda a corpulncia das infiltraes de gordura solta, desmoronava-se em socos. Dos mais fortes vingava-se, resmungando intrepidamente. Para desesper-lo, aproveitavam-se os menores do escuro. Rmulo, no meio, ficava tonto, esbravejando juras de morte, mostrando o punho. Em geral procurava reconhecer algum dos impertinentes e o marcava para a vindita. Vindita inexorvel. No decorrer enfadonho das ltimas semanas, foi Rmulo escolhido, principalmente, para expiatrio do desfastio. Mestrecuca! Via-se apregoado por vozes fantsticas, sadas da terra; mestre-cuca! Por vozes do espao rouquenhas ou esganiadas. Sentava-se acabrunhado, vendo se se lembrava de haver tratado panelas algum dia na vida; a unanimidade impressionava. Mais frequentemente, entregava-se a acessos de raiva. Arremetia bufando, espumando, olhos fechados, punhos para trs, contra os grupos. Os rapazes corriam a rir, abrindo caminho, deixando rolar adiante aquela ambulncia danada de elefantase. (Raul Pompeia. O Ateneu.) Indique a alternativa em que os fragmentos selecionados exemplificam, respectivamente, a manifestao clara do ponto de vista do narrador e a opinio do grupo, a propsito de Rmulo.
(UNIFESP - 2011) [Sem-Pernas] queria alegria, uma mo que o acarinhasse, algum que com muito amor o fizesse esquecer o defeito fsico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera famlia. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava meu padrinho e que o surrava. Fugiu logo que pde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, ua mo que passe sobre os seus olhos e faa com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um animal perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se recusava a ajud-lo. E a borracha zunia nas suas costas quando o cansao o fazia parar. A princpio chorou muito, depois, no sabe como, as lgrimas secaram. Certa hora no resistiu mais, abateu-se no cho. Sangrava. Ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele homem de colete cinzento que fumava um charuto. (Jorge Amado. Capites da areia.) O emprego da figura de linguagem conhecida como prosopopeia (ou personificao) pe mais em evidncia a principal razo pela qual Sem-Pernas estigmatizado. O trecho que contm essa figura