(Upf 2014)
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.
E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever.
Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as ideias não vêm, ou vêm muito numerosas – e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel.
Emoções indefiníveis me agitam – inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração.
Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão.
Lá fora os sapos arengavam, o vento gemia, as árvores do pomar tornavam-se massas negras.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo.
A única afirmação que não corresponde ao texto acima é que Paulo Honório, personagem-narrador:
atribui a sua dificuldade em conhecer e compreender Madalena às condições desfavoráveis em que formou a sua própria personalidade.
confia na capacidade da sua memória para narrar a sua vida com Madalena e compreender a personalidade dela.
considera que há uma diferença capital entre a sua personalidade e a de sua mulher, quanto a sensibilidade e linguagem.
escreve a sua narrativa para tentar compreender a personalidade de Madalena, mas teme não conseguir tal objetivo.
experimenta grandes dificuldades para compor a sua narrativa, mas sente que não pode desistir desse trabalho.