(AFA - 2012)
TEXTO II
O ídolo
1Em um belo dia, a deusa dos ventos beija o pé do homem, o maltratado, desprezado pé, e, desse beijo, nasce o ídolo do futebol. Nasce em berço de palha e barraco de lata e vem ao mundo abraçado a uma bola.
5Desde que aprende a andar, sabe jogar. Quando criança, alegra os descampados e os baldios, joga e joga e joga nos ermos dos subúrbios até que a noite cai e ninguém mais consegue ver a bola, e, quando jovem, voa e faz voar nos estádios. Suas artes de malabarista 10convocam multidões, domingo após domingo, de vitória em vitória, de ovação em ovação.
A bola o procura, o reconhece, precisa dele. No peito de seu pé, ela descansa e se embala. Ele lhe dá brilho e a faz falar, e neste diálogo entre os dois, 15milhões de mudos conversam. Os Zé Ninguém, os condenados a serem para sempre ninguém, podem sentir-se alguém por um momento, por obra e graça desses passes devolvidos num toque, essas fintas que desenham os zês na grama, esses golaços de 20calcanhar ou de bicicleta: quando ele joga o time tem doze jogadores.
– Doze? Tem quinze! Vinte!
A bola ri, radiante, no ar. Ele a amortece, a adormece, diz galanteios, dança com ela, e vendo 25essas coisas nunca vistas, seus adoradores sentem piedade por seus netos ainda não nascidos, que não estão vendo o que acontece.
Mas o ídolo é ídolo apenas por um momento, humana eternidade, coisa de nada; e quando chega a 30hora do azar para o pé de ouro, a estrela conclui sua viagem do resplendor à escuridão. Esse corpo está com mais remendos que roupa de palhaço, o acrobata virou paralítico, o artista é uma besta:
– Com a ferradura, não!
35A fonte da felicidade pública se transforma no páraraios do rancor público:
– Múmia!
Às vezes, o ídolo não cai inteiro. E, às vezes, quando se quebra, a multidão o devora aos pedaços.
(Eduardo Galeano. Futebol, ao sol e à sombra.)
Julgue cada item a seguir, como V (verdadeiro) ou F (falso), considerando o que se afirma sobre o emprego dos pronomes no texto II.
( ) Em “A bola o procura, o reconhece, precisa dele.” (linha 12) e “/.../ que não estão vendo o que acontece.” (linhas 26 e 27), todos os termos assinalados são pronomes pessoais oblíquos átonos.
( ) No trecho “por obra e graça desses passes devolvidos num toque, essas fintas que desenham os zês na grama, esses golaços de calcanhar ou de bicicleta...” (linhas 17 a 20), os pronomes grifados poderiam contrair-se com a preposição de sem prejuízo da correção gramatical.
( ) No trecho “No peito de seu pé, ela descansa e se embala. Ele lhe dá brilho e a faz falar...” (linhas 12 a 14), todos os pronomes grifados têm o mesmo referente.
( ) Em “Esse corpo está com mais remendos X” (linhas 31 e 32), a substituição do pronome grifado por aquele acarretaria alteração de sentido no trecho.
A seqüência correta é:
V, V, F, F
F, V, F, V
F, F, V, V
V, F, F, V