(AFA - 2022 - Modelo A - Questão 43)
TEXTO II:
A VERDADEIRA LEI DE GÉRSON
Raul Marinho Gregorin
Você se lembra daquele célebre comercial do cigarro Vila Rica, onde nosso tricampeão Gérson falava a famosa frase: “... Porque você tem que levar vantagem em tudo, cerrrto?” A frase teve tanto [5] impacto que acabou sendo criada a “Lei de Gérson”, que simboliza o oportunismo e a falta de escrúpulos típicas de uma grande parcela da nossa sociedade.(...)
Concordo que nossa postura oportunista realmente contribui para nos manter neste estado de [10] atraso econômico e cultura em que vivemos. Só que a “Lei de Gérson”, na verdade é muito mais antiga que o próprio. No excelente livro “Mauá, Empresário do império”, de Jorge Caldeira (Ed. Companhia das Letras), percebe-se que há quase duzentos anos atrás esta lei já [15] era cumprida. Aliás, essa deve ser a lei mais antiga do Brasil, pois desde as capitanias hereditárias nossa história é pontilhada de exemplos de oportunismo e falta de escrúpulos. A própria escravidão não deixa de ser uma mostra do viés ético de nossa sociedade desde [20] tempos imemoriais, mas isso já é outra história.
Eu não conheço a biografia do Gérson, muito menos do publicitário que criou a frase e o comercial do Vila Rica. Mas acho muito improvável que o Gérson real seja um oportunista sanguinário como ficou sendo sua [25] imagem. Nem acredito que o diretos da criação da agência poderia imaginar que esta frase seria usada mais de vinte anos depois para designar esta nossa característica.
Nossa língua é ferina. Quando a Volkswagen [30] lançou o Fusca com teto solar no final da década de’60’, as vendas despencaram depois que passou a ter a conotação de “carro chifrudo”. A VASP na década de 70 [35] criou um voo noturno ligando São Paulo ao Guarujá para atender aos executivos que deixavam suas famílias no balneáreo e passavam a semana trabalhando na capital. O nome do voo era “Corujão” devido ao horário. Não demorou muito o voo passou a ser apelidado de "Cornudão”, pelo fato das esposas ficarem na praia enquanto os maridos ficavam na cidade. A VASP teve [40] que cancelar a linha por falta de passageiros.
E óbvio que a VW tinha introduzido o teto solar baseado no fato do Brasil ser um país quente e ensolarado, perfeito para aquele opcional. Só que o consumidor preferia ficar passando calor a ser visto [45] dirigindo um carro com um buraco no teto para “deixar os chifres de fora”. O voo corujão era perfeito, especialmente na época em que não havia Piaçaguera e, para chegar ao Guarujá de carro na alta temporada, o motorista tinha que enfrentar horas de fila na balsa. Mas [50] era melhor demorar oito ou dez horas de carro do que ir de avião, em meia hora, num voo chamado “Cornudão”...
Com o comercial do Gérson foi a mesma coisa.
Levar vantagem em tudo não significa que os outros tem que levar desvantagem. O oportunismo foi incorporado à [55] frase por quem a leu/ouviu, não por quem a escreveu/disse. O problema é que passou a ficar (para usar um conceito atual) “politicamente incorreto” levar vantagem em alguma coisa.
Na verdade, parece que nossa sociedade se [60] divide em dois grandes blocos: um que leva vantagem em tudo (no sentido pejorativo) e outro que não pode levar vantagem em nada. Acontece que dá para levar vantagem em tudo sem fazer com que os outros saiam em desvantagem. Você não precisa esmagar a outra [65] parte para sair ganhando.
(http://www.geocities.ws/cp_adhemar/leidegerson.html. Acesso em: 10 abril 2017. Texto revisado conforme a nova ortografia.)
* Os números entre colchetes indicam a numeração das linhas do texto original.
Assinale a alternativa cuja substituição do pronome grifado por outra estrutura linguística está INCORRETA:
“...neste estado de atraso econômico e cultural em que vivemos.” (l. 9 e 10) ⇒ neste estado de atraso econômico e cultural onde vivemos.
“....percebe-se que há quase duzentos anos atrás essa lei já era cumprida” (l. 14 e 14) ⇒ percebe-se que, há quase duzentos anos, tal lei já era cumprida.
“...para atender aos executivos que deixavam suas famílias no balneário.." (l. 34 e 35) ⇒ para atender aos executivos que deixavam as famílias deles no balneário.
“Com o comercial do Gérson foi a mesma coisa”. (l. 52) ⇒ Com o comercial do Gérson foi idêntico.