(ENEM - 2007)
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
[dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
(…)
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Ferreira Gullar. Toda Poesia. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1980, p. 227-8.
A antítese que configura uma imagem da divisão social do trabalho na sociedade brasileira é expressa poeticamente na oposição entre a doçura do branco açúcar e
o trabalho do dono da mercearia de onde veio o açúcar.
o beijo de moça, a água na pele e a flor que se dissolve na boca.
o trabalho do dono do engenho em Pernambuco, onde se produz o açúcar.
a beleza dos extensos canaviais que nascem no regaço do vale.
o trabalho dos homens de vida amarga em usinas escuras.