(Fgvrj 2015)
Catar Feijão
1
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
2
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.
João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra.
A comparação escolhida por João Cabral de Melo Neto para caracterizar o ato de escrever:
recupera para a literatura as concepções de poesia que orientavam a literatura de folhetos do Nordeste, ou “cordel”.
inverte certa concepção erudita da poesia, que a vê como atividade elevada, sublime, separada do cotidiano banal.
inscreve a poética do autor no Regionalismo literário, por vincular a representação literária a práticas locais bem determinadas.
reata com a tradição parnasiana, que concebia a arte poética como ofício de artesão ou artífice.
contrapõe-se ao elitismo do Modernismo paulista, que repudiava o primitivismo e as culturas rústicas.