(FUVEST 2014)
CAPÍTULO LXXI
O senão do livro
Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...
E caem! — Folhas misérrimas do meu cipreste, heis de cair, como quaisquer outras belas e vistosas; e, se eu tivesse olhos, dar-vos-ia uma lágrima de saudade. Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar... Heis de cair.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas
Nas primeiras versões das Memórias póstumas de Brás Cubas, constava, no final do capítulo LXXI, aqui reproduzido, o seguinte trecho, posteriormente suprimido pelo autor:
[... Heis de cair.] Turvo é o ar que respirais, amadas folhas. O sol que vos alumia, com ser de toda a gente, é um sol opaco e reles, de ........................ e ........................ .
As duas palavras que aparecem no final desse trecho, no lugar dos espaços pontilhados, podem servir para qualificar, de modo figurado, a mescla de tonalidades estilísticas que caracteriza o capítulo e o próprio livro. Preenchem de modo mais adequado as lacunas as palavras
ocaso e invernia.
Finados e ritual.
senzala e cabaré.
cemitério e carnaval.
eclipse e cerração.