(IME - 2016/2017 - 2ª FASE)
TEXTO 2
O HOMEM: AS VIAGENS
Carlos Drummond de Andrade
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto - é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.
ANDRADE, Carlos Drummond. Nova reunião: 19 livros de poesia – 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, pp. 448-450.
Texto 3
OS LUSÍADAS — CANTO PRIMEIRO
Luís de Camões
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta. (…)
No mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida
Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
CAMÕES, Luís de (1524-1580). Os Lusíadas. São Paulo: Abril Cultural, [1572] 1979, pp. 29- 31 e 61.
A transtextualização ou intertextualidade é um “processo pelo qual o enunciador constrói seu texto (texto meta) mediante a incorporação ou transformação da totalidade ou de parte de outro texto (texto fonte)”
(AZEREDO, J. C. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, p. 96).
São vários os tipos de transtextualização elencados na referida obra, dentre eles a incorporação, a citação, a alusão, a reelaboração, a paráfrase, a tradução e a paródia. Especificamente, a alusão consiste em evocar um texto ou discurso anterior (de outro gênero, de outra época, de outra cultura), para produzir, no presente, um efeito de sentido autorizado ou legitimado pelo texto/discurso evocado. Diferentemente da citação, cuja incorporação o interlocutor identifica graças às marcas, a alusão só é percebida se o texto que ela evoca faz parte da cultura do interlocutor
(Ibidem, p. 98).
Atente para as seguintes assertivas apresentadas na comparação dos textos 2 e 3.
I. Há uma relação explícita entre o primeiro verso do poema de Drummond e o último verso do Canto I de Os Lusíadas, de Camões, apresentados nesta prova.
II. O verso camoniano “Tanta necessidade aborrecida” pode ser visto como um desencadeador da descrição drummondiana do tédio do homem face a suas conquistas que não o levam à resolução de problemas mais imediatos como a fome, a desigualdade e as injustiças, também evocadas por Camões nos versos iniciais da estrofe 106 de Os Lusíadas.
III. O texto brasileiro alude diretamente ao texto português no uso da expressão “engenho e arte”, recorrendo, inclusive, à mesma parceria rítmica (parte/arte).
IV. Enquanto em Camões a humanização reivindicada refere-se a uma europeização do espaço terrestre, no poema de Drummond, diferentemente, a humanização é interplanetária, o que se verifica inclusive pelo uso da maiúscula na palavra Terra no primeiro verso de seu poema.
São marcas de alusão
apenas o que se afirma em I e II.
apenas o que se afirma em I, II e III.
apenas o que se afirma em II e III.
apenas o que se afirma em III e IV.
o que se afirma em I, II, III e IV.