(ITA - 2015 - 1ª FASE)
A questão seguinte refere-se ao Texto 1, de Rubem Braga, publicado pela primeira vez em 1952, no jornal Correio da Manhã, do Rio.
TEXTO 1
José Leal fez uma reportagem na Ilha das Flores, onde ficam os imigrantes logo que1 chegam. E falou dos equívocos de nossa política imigratória. As pessoas que2 ele encontrou não eram agricultores e técnicos, gente capaz de ser útil. Viu músicos profissionais, bailarinas austríacas, cabeleireiras lituanas. Paul Balt toca acordeão, Ivan Donef faz coquetéis, Galar Bedrich é vendedor, Serof Nedko é ex-oficial, Luigi Tonizo é jogador de futebol, Ibolya Pohl é costureira. Tudo gente para o asfalto15, “para entulhar as grandes cidades”, como diz o repórter.
O repórter6 tem razão. Mas eu peço licença para ficar imaginando uma porção de coisas vagas, ao olhar essas belas fotografias que3 ilustram a reportagem. Essa linda costureirinha morena de Badajoz, essa Ingeborg que faz fotografias e essa Irgard que não faz coisa alguma, esse Stefan Cromick cuja única experiência na vida parece ter sido vender bombons 11– não, essa gente não vai aumentar a produção de batatinhas e quiabos nem plantar cidades16 no Brasil Central.
É insensato importar gente assim7. Mas o destino das pessoas e dos países também é, muitas vezes, insensato:12 principalmente da gente nova e países novos. A humanidade8 não vive apenas de carne, alface e motores. Quem eram os pais de Einstein, eu pergunto; e se o jovem Chaplin quisesse hoje entrar no Brasil acaso poderia? Ninguém sabe que destino terão no Brasil essas mulheres louras, esses homens de profissões vagas. Eles estão procurando alguma coisa: emigraram. Trazem pelo menos o patrimônio de sua inquietação e de seu apetite de vida17. Muitos9 se perderão, sem futuro, na vagabundagem inconsequente das cidades; uma mulher dessas talvez se suicide melancolicamente dentro de alguns anos, em algum quarto de pensão. Mas é preciso de tudo para fazer um mundo18; e cada pessoa humana é um mistério de heranças e de taras. Acaso importamos o pintor Portinari, o arquiteto Niemeyer, o físico Lattes? E os construtores de nossa indústria, como vieram eles ou seus pais? Quem pergunta hoje, e que interessa saber, se esses homens ou seus10 pais ou seus avós vieram para o Brasil como agricultores, comerciantes, barbeiros ou capitalistas, aventureiros ou vendedores de gravata? Sem o tráfico de escravos não teríamos tido Machado de Assis, e Carlos Drummond seria impossível sem uma gota de sangue (ou uísque) escocês nas veias, e quem nos garante que4 uma legislação exemplar de imigração não teria feito Roberto Burle Marx nascer uruguaio, Vila Lobos mexicano, ou Pancetti chileno, o general Rondon canadense ou Noel Rosa em Moçambique? Sejamos humildes diante da pessoa humana: o grande homem do Brasil de amanhã pode descender de um clandestino que5 neste momento está saltando assustado na praça Mauá,13 e não sabe aonde ir, nem o que fazer. Façamos uma política de imigração sábia, perfeita, materialista;14 mas deixemos uma pequena margem aos inúteis e aos vagabundos, às aventureiras e aos tontos porque dentro de algum deles, como sorte grande da fantástica loteria humana19, pode vir a nossa redenção e a nossa glória.
(BRAGA, R. Imigração. In: A borboleta amarela. Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1963)
Assinale a opção em que o termo grifado é conjunção integrante.
José Leal fez uma reportagem na Ilha das Flores, onde ficam os imigrantes logo que chegam. (ref. 1)
As pessoas que ele encontrou não eram agricultores e técnicos, gente capaz de ser útil. (ref. 2)
Mas eu peço licença para ficar imaginando uma porção de coisas vagas, ao olhar essas belas fotografias que ilustram a reportagem. (ref. 3)
[...] e quem nos garante que uma legislação exemplar de imigração não teria feito Roberto Burle Marx nascer uruguaio, [...] (ref. 4)
[...] o grande homem do Brasil de amanhã pode descender de um clandestino que neste momento está saltando assustado na praça Mauá, [...] (ref. 5)