(UFPR - 2015 - 1ª FASE)
Leia o seguinte diálogo entre os personagens Simei e Colonna, no romance Número Zero, de Umberto Eco:
– Colonna, exemplifique para os nossos amigos como é que se pode seguir, ou dar mostras de seguir, um princípio fundamental do jornalismo democrático: fatos separados de opiniões. Opiniões no Amanhã [nome do jornal] haverá inúmeras, e evidenciadas como tais, mas como é que se demonstra que em outros artigos são citados apenas fatos?
– Muito simples – disse eu. – Observem os grandes jornais de língua inglesa. Quando falam, sei lá, de um incêndio ou de um acidente de carro, evidentemente não podem dizer o que acham daquilo. Então inserem no artigo, entre aspas, as declarações de uma testemunha, um homem comum, um representante da opinião pública. Pondo-se aspas, essas afirmações se tornam fatos, ou seja, é um fato que aquele sujeito tenha expressado tal opinião. Mas seria possível supor que o jornalista tivesse dado a palavra somente a quem pensasse como ele. Portanto, haverá duas declarações discordantes entre si, para mostrar que é fato que há opiniões diferentes sobre um caso, e o jornal expõe esse fato irretorquível. A esperteza está em pôr antes entre aspas uma opinião banal e depois outra opinião, mais racional, que se assemelhe muito à opinião do jornalista. Assim o leitor tem a impressão de estar sendo informado de dois fatos, mas é induzido a aceitar uma única opinião como a mais convincente. Vamos ver um exemplo. Um viaduto desmoronou, um caminhão caiu e o motorista morreu. O texto, depois de relatar rigorosamente o fato, dirá: Ouvimos o senhor Rossi, 42 anos, que tem uma banca de jornal na esquina. Fazer o quê, foi uma fatalidade, disse ele, sinto pena desse coitado, mas destino é destino. Logo depois um senhor Bianchi, 34 anos, pedreiro que estava trabalhando numa obra ao lado, dirá: É culpa da prefeitura, que esse viaduto estava com problemas eu já sabia há muito tempo. Com quem o leitor se identificará? Com quem culpa alguém ou alguma coisa, com quem aponta responsabilidade. Está claro? O problema é no quê e como pôr aspas.
ECO, Umberto. Número Zero. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 55-6.
Assinale a alternativa correta sobre afirmações encontradas no texto.
Ao mencionar “um princípio fundamental do jornalismo democrático: fatos separados de opiniões”, Simei destaca que os jornais seguem rigorosamente esse princípio.
Ao dizer que “o leitor tem a impressão de estar sendo informado de dois fatos, mas é induzido a aceitar uma única opinião”, Colonna explicita uma forma de manipulação da opinião do leitor.
Na primeira linha do texto, Simei faz uma retificação (“...seguir, ou dar mostras de seguir...”) para deixar claro que o jornalista deve não só separar fatos de opiniões como indicar isso explicitamente nos artigos.
Ao afirmar que “é fato que há opiniões diferentes sobre um caso, e o jornal expõe esse fato irretorquível”, Colonna destaca a imparcialidade do jornal ao incluir nos artigos opiniões divergentes.
Ao afirmar, no final do texto, que “o problema é no quê e como pôr aspas”, Colonna enfatiza a importância da fidelidade na citação das palavras das testemunhas de cada fato noticiado.