(UFPR - 2022- 1ª fase)
Leia a seguir a primeira estrofe do poema “O meu sepulcro”, de Gonçalves Dias.
1 | Quando, os olhos cerrando à luz da vida, |
2 | O extremo adeus soltar às esperanças, |
3 | Que na terra nos guiam, nos confortam |
4 | E espaçam do porvir a senda estreita; |
5 | Quando, isento de míseros cuidados, |
6 | Disser adeus às ilusões douradas, |
7 | Mas com elas também às dores cruas |
8 | Da existência – aos espinhos pontiagudos, |
9 | Com que a verdade o coração nos roça; |
10 | Quando tocada não sentir minha alma |
11 | Da luz, dos sons, das cores, das magias, |
12 | Que a natureza pródiga derrama |
13 | No regaço da terra – mais ditoso |
14 | Serei acaso então? – Quando o meu corpo |
15 | À terra, mãe comum, pedindo abrigo |
16 | Dos sepulcros no vale em paz descanse; |
17 | Hei de ser mais feliz porque mo cobre |
18 | Pomposo mausoléu, em vez da pedra |
19 | Sem nome, – em vez do túmulo de céspedes, |
20 | Que s’ergue junto à estrada, e ao viandante, |
21 | Ao que ali passa, uma oração suplica? |
22 | Oh! não! – ao encalmado é grata a sombra; |
23 | Grato descanso aos membros fatigados |
24 | Presta igualmente a relva das campinas |
25 | E os torrões pelo sol enrijecidos. |
26 | Como o trabalhador que a sesta aguarda, |
27 | O meu termo fatal sem medo espero! |
28 | Eu então pedirei silêncio à morte, |
29 | E fresca sombra à sepultura humilde, |
30 | Que me receba, – e a cuja superfície |
31 | Morram sem eco da existência as vagas. [...] |
(DIAS, Gonçalves. Poesia e prosa completas: volume único. Org.: Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1998. p. 491-2.)
O auto de Natal pernambucano Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, apresenta algumas semelhanças temáticas com a estrofe acima transcrita, parte integrante do livro Últimos Cantos. Assinale a alternativa em que estão corretas as aproximações entre as duas obras.
A esperança e as dores da existência, mencionadas nos versos 2 e 7 (acima), estão presentes na obra de João Cabral no nascimento de uma criança: “E não há melhor resposta / que o espetáculo da vida: / vê-la desfiar seu fio, / que também se chama vida, / ver a fábrica que ela mesma, / teimosamente, se fabrica, / vê-la brotar como há pouco / em nova vida explodida”.
O ato do eu-lírico de se despedir das ilusões e das dores da vida, nos versos 5 a 8 (acima), também é encenado pelo retirante Severino, quando ele comunica a decisão de se suicidar: “– Seu José, mestre carpina, / que diferença faria / se em vez de continuar / tomasse a melhor saída: / a de saltar, numa noite, / fora da ponte e da vida?”.
A natureza benfazeja, mencionada nos versos 10 a 13 (acima), foi representada por João Cabral nesta imagem de satisfação das necessidades humanas: “Cedo aprenderá a caçar: / primeiro, com as galinhas, / que é catando pelo chão / tudo o que cheira a comida; / depois aprenderá com / outras espécies de bichos: / com os porcos nos monturos, / com os cachorros no lixo”.
O eu-lírico opina, nos versos 17 a 21 (acima), que ricos e pobres se tornam iguais quando morrem; a mesma ideia foi apresentada nos seguintes versos de João Cabral: “– Não é cova grande, / é cova medida, / é a terra que querias / ver dividida. [...] É uma cova grande / para tua carne pouca, / mas a terra dada / não se abre a boca”.
A morte é representada como descanso merecido, nos versos 22 a 25 (acima), como também nesta fala de um coveiro, em Morte e Vida Severina: “– E esse povo lá de riba / de Pernambuco, da Paraíba, / que vem buscar no Recife / poder morrer de velhice, / encontra só, aqui chegando / cemitérios esperando. / [...] aí está o seu erro: / vêm é seguindo seu próprio enterro”.