(UFU - 2017 - 1ª FASE)
Leia com atenção o texto a seguir.
Medicina científica X medicalização da vida
Pessoas saudáveis são pacientes que ainda não sabem que estão doentes, considera o doutor Knock na peça de Jules Romains, em que o personagem convence a todos os habitantes de uma cidade de que estão doentes. A comédia, de 1923, antecipa, de certo modo, uma das características de nosso tempo, a medicalização progressiva de todos os aspectos da vida.
Vivemos um momento privilegiado da história, quando a medicina atingiu um nível incomparável de conhecimentos e recursos tecnológicos. Com criatividade, a ciência conquistou terreno apropriando-se até mesmo de áreas de vida durante séculos fora do alcance de qualquer intervenção que não a religiosa – como as doenças psiquiátricas.
Medicalizar consiste em “passar a definir e tratar algo como problema médico”, ou seja, direcionar conhecimentos e recursos técnicos da medicina para tratar algo que antes não era abrangido por essa área. É natural que, à medida que a ciência avança, novas patologias sejam detectadas, como a depressão ou o autismo, e outras, reinterpretadas e descartadas, caso da histeria e da homossexualidade. Avanços tecnológicos permitem não só diagnosticar melhor, mas diagnosticar mais, mesmo condições que não coloquem a vida em risco ou comprometam sua qualidade. O problema está precisamente na facilidade com que novas doenças podem ser “criadas”, quando situações antes tidas como normais acabam patologizadas. Algumas de formas justificadas, outras, não.
Claro que há “boas” e “más” formas de medicalização. Entre os casos positivos, podese citar a introdução da pílula anticoncepcional, que permitiu uma revolução sexual. Um exemplo negativo foi a demonização do mau hálito no começo do século XX, ao ser rebatizado como... halitose. Em virtude disso, uma notável campanha publicitária estimulou a venda de uma nova “necessidade”, o antisséptico bucal. Hoje a lista de “doenças” questionáveis não para de crescer: de características pessoais estigmatizáveis como “calvície”, “síndrome das pernas inquietas”, “timidez”, sem falar nas características estéticas, situações de vida (“tristeza”, “luto”) e mesmo consequências do envelhecimento.
Parece, portanto, que estamos vivendo o apogeu da “má” medicalização – a chamada “mercantilização das doenças”, como provam os absurdos níveis de consumo de fármacos como a ritalina (especialmente entre escolares, muitos sobrediagnosticados com TDAH) e antidepressivos. Remédio é chiclete.
QUILLFELDT, Jorge. Medicina científica X medicalização da vida. Revista Scient American Brasil, ano 13, nº155. (Texto adaptado)
Com base nas ideias apresentadas no texto, redija uma CARTA ARGUMENTATIVA para o Ministro da Saúde, criticando a “criação” de novas doenças e/ou a medicalização de situações antes tidas como normais. Em sua carta, você, um cidadão brasileiro, deve também cobrar providências da área de saúde em relação a essas questões.