(UFU - 2022)
[...]
E a lua pousa
em teu rosto. Branco, de morte caiado,
que sepulcros evoca mas que hastes
submarinas e álgidas e espelhos
e lírios que o tirano decepou, e faces
amortalhadas em farinha. O bigode
negro cresce em ti como um aviso
e logo se interrompe. É negro, curto,
espesso. O rosto branco, de lunar matéria,
face cortada em lençol, risco na parede,
caderno de infância, apenas imagem
entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe,
sozinha, experiente, calada vem a boca
sorrir, aurora, para todos.
E já não sentimos a noite,
e a morte nos evita, e diminuímos
como se ao contato de tua bengala mágica voltássemos
ao país secreto onde dormem meninos.
Já não é o escritório de mil fichas,
nem a garagem, a universidade, o alarme,
é realmente a rua abolida, lojas repletas,
e vamos contigo arrebentar vidraças,
e vamos jogar o guarda no chão,
e na pessoa humana vamos redescobrir
aquele lugar — cuidado! — que atrai os pontapés: sentenças
de uma justiça não oficial.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 21. ed. São Paulo, Record, 2000. p. 199.
Sobre o trecho acima, do poema “Canto ao homem do povo Charlie Chaplin”, é INCORRETO afirmar que
o eu-lírico, dirigindo-se ao homenageado, expressa uma fusão entre o personagem e os espectadores, representados coletivamente pela primeira pessoa do plural.
as múltiplas imagens brancas e negras que se sobrepõem no poema se aproximam da própria estética dos filmes em preto e branco de Chaplin.
a imagem da boca calada, expressa no poema, remete ao frequente mutismo de Carlitos, principal personagem dos filmes de Charlie Chaplin.
o retorno ao “país secreto onde dormem meninos” expõe a proximidade de Chaplin com o universo infantil, metáfora de um ideal artístico puro, sem intenções ideológicas.