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(UNESP - 2012- 2 fase)Um homem superiorQuis a desg

(UNESP - 2012 - 2ª fase)

Um homem superior

Quis a desgraça de Medeiros [patrão de Clemente] que os negócios lhe corressem mal; duas ou três catástrofes comerciais o puseram às portas da morte.

Clemente Soares fez quanto pôde para salvar a casa de que dependia o seu futuro, mas nenhum esforço era possível contra um desastre marcado pelo destino, que é o nome que se dá à tolice dos homens ou ao concurso das circunstâncias.

Achou-se sem emprego nem dinheiro.

(...)

No pior da sua posição, recebeu Clemente uma carta em que o comendador o convidava a ir passar algum tempo na fazenda.

Sabedor da catástrofe de Medeiros, queria o comendador naturalmente dar a mão ao rapaz. Este não esperou que repetisse o convite. Escreveu logo dizendo que daí a um mês se poria em marcha.

Efetivamente um mês depois saía Clemente Soares em caminho do município de***, onde era a fazenda do comendador Brito.

O comendador esperava-o ansioso. E não menos ansiosa estava a moça, não sei se porque já lhe tivesse amor, se porque ele fosse uma distração no meio da monótona vida rural.

Recebido como amigo, tratou Clemente Soares de pagar a hospitalidade, fazendo-se conviva alegre e divertido. Ninguém o poderia melhor do que ele.

Dotado de grande perspicácia, compreendeu em poucos dias como entendia o comendador a vida do campo, e tratou de o lisonjear por todos os modos.

Infelizmente, dez dias depois da sua chegada à fazenda, adoeceu gravemente o comendador Brito, por maneira que o médico poucas esperanças deu à família.

Era ver o zelo com que Clemente Soares servia de enfermeiro do doente, procurando por todos os meios suavizar-lhe os males. Passava noites em claro, ia aos povoados quando era necessário fazer alguma coisa mais importante, consolava o doente já com palavras de esperanças, já com animada conversa, cujo fim era distraí-lo de pensamentos lúgubres.

— Ah! dizia o pobre velho, que pena que eu o não conhecesse há mais tempo! Bem vejo que é um verdadeiro amigo.

— Não me elogie, comendador, dizia Clemente Soares, não me elogie, que é tirar o mérito, se o há, destes deveres agradáveis ao meu coração.

O procedimento de Clemente influiu no ânimo de Carlotinha, que nesse desafio de solicitude soube mostrar-se esposa dedicada e reconhecida. Ao mesmo tempo fez com que em seu coração se desenvolvesse o gérmen de afeto que Clemente de novo lhe lançara.

Carlotinha era uma moça frívola; mas a doença do marido, a perspectiva da viuvez, o desvelo do rapaz, tudo fez nela uma profunda revolução.

E mais que tudo, a delicadeza de Clemente Soares, que, durante esse tempo de tão graves preocupações para ela, nenhuma palavra de amor lhe dirigiu.

Era impossível que o comendador escapasse à morte.

(Machado de Assis. Contos fluminenses, vol. II. São Paulo: Editora Mérito, 1962, p. 103-105.)

Dotado de grande perspicácia, compreendeu em poucos dias como entendia o comendador a vida do campo, e tratou de o lisonjear por todos os modos. Explique em que medida o verbo “lisonjear”, empregado na frase, representa uma síntese da atitude de Clemente Soares ante o comendador, na passagem apresentada.