(UNICAMP - 2003 - 2 fase - Questão 9)
Leia com atenção o poema que segue:
Sida*
aqueles que têm nome e nos telefonam
um dia emagrecem – partem
deixam-nos dobrados ao abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz
arquivamos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do d esgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas noturnas
acendemos então uma labareda nos dedos
acordamos trêmulos confusos - a mão queimada
junto ao coração
e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta
nem a vida nem o que dela resta nos consola
a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa
assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos o repouso a sonolência
o evento
arrastando para longe as imagens difusas
daqueles que amamos e não voltaram
a telefonar.
Al Berto**. Horto de Incêndio. Lisboa, Assírio e Alvim, 1997.
*Sida: síndrome de imuno-deficiência adquirida, é a denominação que em países europeus deu-se à doença conhecida no Brasil como “aids”.
**O autor do poema é atualmente um dos mais reconhecidos poetas em Portugal.
a) Considerando o tema deste poema, como se pode entender a frase "aqueles que têm nome"?
b) Na segunda estrofe, o poema fala em arquivar o amor e em pressentir vivo o passageiro ardente . Analise essa aparente contradição.
c) Na quarta estrofe, quando o poema sugere a transformação da intensidade amorosa em carência (tudo nos falta), um verso traduz com perfeição a conjugação entre a intensidade amorosa e seu esvaziamento. Qual é esse verso?