(FUVEST - 2003 - 1a Fase)
História estranha
Um homem vem caminhando por um parque quando de repente se vê com sete anos de idade. Está com quarenta, quarenta e poucos. De repente dá com ele mesmo chutando uma bola perto de um banco onde está a sua babá fazendo tricô. Não tem a menor dúvida de que é ele mesmo. Reconhece a sua própria cara, reconhece o banco e a babá. Tem uma vaga lembrança daquela cena. Um dia
ele estava jogando bola no parque quando de repente aproximou-se um homem e... O homem aproxima-se dele mesmo. Ajoelha-se, põe as mãos nos seus ombros e olha nos seus olhos. Seus olhos se enchem de lágrimas. Sente uma coisa no peito. Que coisa é a vida. Que coisa pior ainda é o tempo. Como eu era inocente. Como os meus olhos eram limpos. O homem tenta dizer alguma coisa, mas não encontra o que dizer.
Apenas abraça a si mesmo, longamente. Depois sai caminhando, chorando, sem olhar para trás. O garoto fica olhando para a sua figura que se afasta. Também se reconheceu. E fica pensando, aborrecido: quando eu tiver quarenta, quarenta e poucos anos, como eu vou ser sentimental!
(Luis Fernando Veríssimo, Comédias para se ler na escola)
A estranheza dessa história deve-se, basicamente, ao fato de que nela
há superposição de espaços sem que haja superposição de tempos.
a memória afetiva faz um quarentão se lembrar de uma cena da infância.
a narrativa é conduzida por vários narradores.
o tempo é representado como irreversível.
tempos distintos convergem e tornam-se simultâneos.