(FUVEST - 2006)
Capítulo LXVIII / O Vergalho
Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por aquele Valongo fora, logo depois de ver e ajustar a casa. Interrompeu-mas um ajuntamento; era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: ⎯ “Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova.
⎯ Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado!
⎯ Meu senhor! gemia o outro.
⎯ Cala a boca, besta! replicava o vergalho.
Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, ⎯ o que meu pai libertara alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.
⎯ É, sim, nhonhô.
⎯ Fez-te alguma cousa?
⎯ É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.
⎯ Está bom, perdoa-lhe, disse eu.
Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado!
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
a) Este trecho remete a episódio anterior, da mesma obra, no qual interagem Brás Cubas e Prudêncio, então crianças. Compare sucintamente os papéis que as personagens desempenham nesses episódios.
b) Neste trecho, a variedade lingüística utilizada pelas personagens contribui para caracterizá-las? Explique brevemente.