(FUVEST - 2009 - 1 FASE)
Texto para as questões de 17 a 20
Vestindo água, só saído o cimo do pescoço, o burrinho tinha de se enqueixar para o alto, a salvar também de fora o focinho. Uma peitada. Outro tacar de patas. Chu-áa! Chu-áa... - ruge o rio, como chuva deitada no chão. Nenhuma pressa! Outra remada, vagarosa. No fim de tudo, tem o pátio, com os cochos, muito milho, na Fazenda; e depois o pasto: sombra, capim e sossego... Nenhuma pressa. Aqui, por ora, este poço doido, que barulha como um fogo, e faz medo, não é novo: tudo é ruim e uma só coisa, no caminho: como os homens e os seus modos, costumeira confusão. É só fechar os olhos. Como sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga surda, amigo da água, bem com o escuro, filho do fundo, poupando forças para o fim. Nada mais, nada de graça; nem um arranco, fora de hora. Assim.
João Guimarães Rosa. O burrinho pedrês, Sagarana.
No conto de Guimarães Rosa a que pertence o excerto, a presença de um animal que é "sábio" e forma juízos supõe uma concepção da natureza:
contrária àquela que é expressa pelo Anjo, no "Auto da barca do inferno".
idêntica à de Jacinto ("A cidade e as serras"), que se converte ao culto da natureza virgem e intocável, quando escolhe a vida rural.
contrária à que, predominantemente, se afirma na poesia de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.
idêntica àquela que é exposta pelo autor de "Vidas secas", no prefácio que escreveu para o livro.
semelhante à que se manifesta, sobretudo, nos capítulos finais de "Memórias de um sargento de milícias".