(FUVEST - 2020 - 1ª fase)
A certa personagem desvanecida
Um soneto começo em vosso gabo*;
contemos esta regra por primeira;
já lá vão duas, e esta é a terceira,
já este quartetinho está no cabo.
Na quinta torce agora a porca o rabo:
a sexta vai também desta maneira;
na sétima entro já com grã** canseira,
e saio dos quartetos muito brabo.
Agora, nos tercetos, que direi:
direi que vós, Senhor, a mim me honrais,
gabando-vos a vós eu fico um rei.
Nesta vida um soneto já ditei;
se desta agora escapo, nunca mais.
louvado seja Deus, que o acabei!
Gregório de Matos
*louvor **grande
Tipo zero
Você é um tipo que não tem tipo
Com todo tipo você se parece
E sendo um tipo que assimila tanto tipo
Passou a ser um tipo que ninguém esquece
O tipo zero não tem tipo
Quando você penetra no salão
E se mistura com a multidão
Esse seu tipo é logo observado
E admirado todo mundo fica
Que o seu tipo não se classifica
E você passa a ser um tipo desclassificado
Eu até hoje nunca vi nenhum
Tipo vulgar, tão fora do comum
Que fosse um tipo tão observado
Você ficou agora convencido
Que o seu tipo já está batido
Mas o seu tipo é o tipo do tipo esgotado
Noel Rosa
O soneto de Gregório de Matos e o samba de Noel Rosa, embora distantes na forma e no tempo, aproximam‐se por ironizarem
o processo de composição do texto.
a própria inferioridade ante o retratado.
a singularidade de um caráter nulo.
o sublime que se oculta na vulgaridade.
a intolerância para com os gênios.