(FUVEST - 2020 - 1ª fase)
Agora, o Manuel Fulô, este,sim! Um sujeito pingadinho, quase menino – “pepino que encorujou desde pequeno” – cara de bobo de fazenda, do segundo tipo –; porque toda fazenda tem o seu bobo, que é, ou um velhote baixote, de barba rara no queixo, ou um eterno rapazola, meio surdo, gago, glabro* e alvar**. Mas gostava de fechar a cara e roncar voz, todo enfarruscado, para mostrar brabeza, e só por descuido sorria, um sorriso manhoso de dono de hotel. E, em suas feições de caburé*** insalubre, amigavam‐se as marcas do sangue aimoré e do gálico herdado: cabelo preto, corrido, que boi lambeu; dentes de fio em meia‐lua; malares pontudos; lobo da orelha aderente; testa curta, fugidia; olhinhos de viés e nariz peba, mongol.
Guimarães Rosa, “Corpo fechado”, de Sagarana.
*sem pelos, sem barba **tolo ***mestiço
O retrato de Manuel Fulô, tal como aparece no fragmento, permite afirmar que
há clara antipatia do narrador para com a personagem, que por isso é caracterizada como “bobo de fazenda”.
estão presentes traços de diferentes etnias, de modo a refletir a mescla de culturas própria ao estilo do livro.
a expressão “caburé insalubre” denota o determinismo biológico que norteia o livro.
é irônico o trecho “para mostrar brabeza”, pois ao fim da narrativa Manuel Fulô sofre derrota na luta física.
se apontam em sua fisionomia os “olhinhos de viés” para caracterizar a personagem como ingênua.