(UEFS-BA-2013 - Meio do ano)
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar 5 exclamava:
— Ai! que preguiça!. . . e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra 10 ganhar vintém.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. 30. ed. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Villa Rica, 1997. p. 9.
A análise dos aspectos linguísticos e literários do fragmento retirado da obra Macunaíma permite afirmar:
A expressão “herói da nossa gente” (l. 1) é um aposto especificativo, que deixa bem claro o posicionamento irônico do narrador, ao apresentar uma personagem que em nada reproduz as marcas identitárias de um povo.
A pista linguística “Já” (l. 4) é um modificador verbal que sugere uma conduta da personagem que poderá mudar ao longo de seu itinerário heroico.
Os termos “meninice” (l. 4), “sarapantar” (l. 4) expressam a valorização de uma linguagem oral e popular, que consolida, no imaginário coletivo, um traço da identidade brasileira.
O discurso direto “— Ai! que preguiça!” (l. 6) é revelador de um comportamento inerente a toda a família de Macunaíma, sugerindo uma ideia de povo marcado pelo pessimismo e pela inação existencial.
A oração “Macunaíma dandava pra ganhar vintém.” (l. 9-10) explicita uma finalidade, sugerindo um traço positivo muito comum do povo brasileiro, que procura sempre melhorar de vida por meio do trabalho.