(UEFS 2015 - Meio do ano)
Autorretrato
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,
Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Autorretrato. Poesias de Bocage. 4. ed. Lisboa: Comunicação, 1992. Disponível em: <http://cvc.institutocamoes.pt/poema semana/18/retratos2.html> . Acesso em: 2 mar. 2015.
Em seu autorretrato, o eu poético se percebe como um homem
boêmio e sedutor, de porte mediano, embora haja aparente tristeza em seu perfil.
pacífico e sentimental, apesar de o seu físico levar a se pressupor o contrário
rejeitado pelo gosto popular e que incomoda, com suas feições e posturas, as moças mais pacatas.
distante da fé cristã e mergulhado no pessimismo próprio da boemia e do mal-estar do contexto de sua enunciação.
oscilante na concepção de seu próprio eu, considerando-se belo e simpático em alguns momentos e desagradável e hostil em outros.