(ENEM - 2023) Maio foi colorido de amarelo, e o foi porque mundialmente amarelo a cor convencionada para as advertncias. No trnsito, essas advertncias tm sido fatais. A estimativa, caso nada seja feito, a de que se atinjam assustadoras 2,4 milhes de mortes no trnsito em 2030 em todo o mundo. A pressa constante, o sentimento de invencibilidade, a certeza de invulnerabilidade, a necessidade de poder, a falta de civilidade, a certeza de impunidade, a ausncia de solidariedade, a inexistncia de compaixo e o desrespeito por si prprio so circunstncias reais que, no raro, concorrem para o comportamento violento no trnsito. O Maio Amarelo, que preconiza a ateno pela vida, uma das iniciativas nesse sentido. E precisamente a ateno pela vida que est esquecida. Essa ateno, por certo, requer menos pressa, mais civilidade, limites assegurados, conscincia de vulnerabilidade, solidariedade, compaixo e respeito por si e pelo outro. Reafirmar e praticar esses princpios e valores talvez seja um caminho mais seguro e menos violento, que garanta a vida e no celebre a morte. Disponvel em: http://portaldotransito.com.br. Acesso em: 11 dez. 2018 (adaptado). Considerando os procedimentos argumentativos utilizados, infere-se que o objetivo desse texto
(ENEM - 2023) Ainda daquela vez pude constatar a bizarrice dos costumes que constituam as leis mais ou menos constantes do seu mundo: ao me aproximar, verifiquei que o Sr. Timteo, gordo e suado, trajava um vestido de franjas e lantejoulas que pertencera a sua me. O corpete descia-lhe excessivamente justo na cintura, e aqui e ali rebentava atravs da costura um pouco da carne aprisionada, esgarando a fazenda e tornando o prazer de vestir-se daquele modo uma autntica espcie de suplcio. Movia-se ele com lentido, meneando todas as suas franjas e abanando-se vigorosamente com um desses leques de madeira de sndalo, o que o envolvia numa enjoativa onda de perfume. No sei direito o que colocara sobre a cabea, assemelhava-se mais a um turbante ou a um chapu sem abas de onde saam vigorosas mechas de cabelos alourados. Como era costume seu tambm, trazia o rosto pintado e para isto, bem como para suas vestimentas, apoderara-se de todo o guarda-roupa deixado por sua me, tambm em sua poca famosa pela extravagncia com que se vestia o que sem dvida fazia sobressair-lhe o nariz enorme, to caracterstico da famlia Meneses. CARDOSO, L. Crnica da casa assassinada. So Paulo: Crculo do Livro, s.d. Pela voz de uma empregada da casa, a descrio de um dos membros da famlia exemplifica a renovao da fico urbana nos anos 1950, aqui observada na
(ENEM - 2023) Girassol da madrugada Teu dedo curioso me segue lento no rosto Os sulcos, as sombras machucadas por onde a [vida passou. Que silncio, prenda minha... Que desvio triunfal [da verdade, Que crculos vagarosos na lagoa em que uma asa [gratuita roou... Tive quatro amores eternos... O primeiro era moa donzela, O segundo... eclipse, boi que fala, cataclisma, O terceiro era a rica senhora, O quarto s tu... E eu afinal me repousei dos [meus cuidados ANDRADE, M. Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013 (fragmento). Perante o outro, o eu lrico revela, na fora das memrias evocadas, a
(ENEM - 2023) Do Lalalo Do povoado do o, ou dos stios perto, algum precisava urgente de querer vir por escutar a novela do rdio. Ouvia-a, aprendia-a, guardava na ideia, e, retornado ao o, no dia seguinte, a repetia a outros. Assim estavam jantando, vinham os do povoado receber a nova parte da novela do rdio. Ouvir j tinham ouvido tudo, de uma vez, fugia da regra: falhara ali no o, na vspera, o caminho de um comprador de galinhas e ovos, seo Abrozinho Buristm, que carregava um rdio pequeno, de pilhas, armara um fio no arame da cerca... Mas queriam escutar outra vez, por confirmao. A estria estvel de boa, mal que acompridada: taca e no rende... explicava o Zuz ao Dalberto. Soropita comeou a recontar o captulo da novela. Sem trabalho, se recordava das palavras, at com clareza disso se admirava. Contava com prazer de demorar, encher a sala com o poder de outros altos personagens. Tomar a ateno de todos, pudesse contar aquilo noite adiante. Era preciso trazer luz, nem uns enxergavam mais os outros; quando algum ria, ria de muito longe. O captulo da novela estava terminando. ROSA, J. G. Noites do serto (Corpo de baile). So Paulo: Global, 2021. Nesse trecho do conto, o gosto dos moradores do povoado por ouvir a novela de rdio recontada por Soropita deve-se ao()
(ENEM - 2023) As cinzas do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, consumido pelas chamas no ms de setembro de 2018, so mais do que restos de fsseis, cermicas e espcimes raros. O museu abrigava, entre mais de 20 milhes de peas, os esqueletos com as respostas para perguntas que ainda no haviam sido respondidas ou sequer feitas por pesquisadores brasileiros. E o incndio pode ter calado para sempre palavras e cantos indgenas ancestrais, de lnguas que no existem mais no mundo. O acervo do local continha gravaes de conversas, cantos e rituais de dezenas de sociedades indgenas, muitas feitas durante a dcada de 1960 com antigos gravadores de rolo e que ainda no haviam sido digitalizadas. Alguns dos registros abordavam lnguas j extintas, sem falantes originais ainda vivos. A esperana que outras instituies tenham registros dessas lnguas, diz a linguista Marilia Fac Soares. A pesquisadora, que trabalha com os ndios Tikuna, o maior grupo da Amaznia brasileira, cr ter perdido parte de seu material. Terei que fazer novas viagens de campo para recompor meus arquivos. Mas obviamente no d para recuperar a fala de nativos j falecidos, geralmente os mais idosos, lamenta. Disponvel em: https://brasil.elpais.com. Acesso em: 10 dez. 2018 (adaptado). A perda dos registros lingusticos no incndio do Museu Nacional tem impacto potencializado, uma vez que
(ENEM - 2023) Mandioca, macaxeira, aipim e castelinha so nomes diferentes da mesma planta. Semforo, sinaleiro e farol tambm significam a mesma coisa. O que muda s o hbito cultural de cada regio. A mesma coisa acontece com a Lngua Brasileira de Sinais (Libras). Embora ela seja a comunicao oficial da comunidade surda no Brasil, existem sinais que variam em relao regio, idade e at ao gnero de quem se comunica. A cor verde, por exemplo, possui sinais diferentes no Rio de Janeiro, Paran e So Paulo. So os regionalismos na lngua de sinais. Essas variaes so um dos temas da disciplina Lingustica na lngua de sinais, oferecida pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) ao longo do segundo semestre. Muitas pessoas pensam que a lngua de sinais universal, o que no verdade, explica a professora e chefe do Departamento de Lingustica, Literatura e Letras Clssicas da Unesp. Mesmo dentro de um mesmo pas, ela sofre variao em relao localizao geogrfica, faixa etria e at ao gnero dos usurios, completa a especialista. Os surdos podem criar sinais diferentes para identificar lugares, objetos e conceitos. Em So Paulo, o sinal de cerveja feito com um giro do punho como uma meia-volta. Em Minas, a bebida citada quando os dedos indicador e mdio batem no lado do rosto. Tambm ocorrem mudanas histricas. Um sinal pode sofrer alteraes decorrentes dos costumes da gerao que o utiliza. Disponvel em: www.educacao.sp.gov.br. Acesso em: 1 nov. 2021 (adaptado). Nesse texto, a Lngua Brasileira de Sinais (Libras)
(ENEM - 2023) Como bom reencontrar os leitores da Revista da Cultura por meio de uma publicao com outro visual, contedo de qualidade e interesses ampliados! ]cultura[, este nome simples, e eu diria mesmo familiar, nasce entre dois colchetes voltados para fora. E no por acaso: so sinais abertos, receptivos, propcios circulao de ideias. O DNA da publicao se mantm o mesmo, afinal, por longos anos montamos nossas edies com assuntos sados das estantes de uma grande livraria e assim continuar sendo. Literatura, sociologia, filosofia, artes... nunca ser difcil montar a pauta da revista porque os livros nos ensinam que monotonia s para quem no l. HERZ, P. ]cultura[, n. 1, jun. 2018 (adaptado). O uso no padro dos colchetes para nomear a revista atribui-lhes uma nova funo e est correlacionado ao()
(ENEM - 2023) TEXTO I Alegria, alegria O sol nas bancas de revista Me enche de alegria e preguia Quem l tanta notcia Eu vou Por entre fotos e nomes Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vos Eu vou Por que no, por que no? VELOSO, C. Alegria, alegria. Rio de Janeiro: Polygram, 1990 (fragmento). TEXTO II Anjos tronchos Uns anjos tronchos do Vale do Silcio Desses que vivem no escuro em plena luz Disseram vai ser virtuoso no vcio Das telas dos azuis mais do que azuis Agora a minha histria um denso algoritmo Que vende venda a vendedores reais Neurnios meus ganharam novo outro ritmo E mais, e mais, e mais, e mais, e mais VELOSO, C. Meu coco. Rio de Janeiro: Sony, 2021 (fragmento). Embora oriundas de momentos histricos diferentes, essas letras de cano tm em comum a
(ENEM - 2023) So tantas formas de matar um preto Que para alguns sua morte justificada Devia t fazendo coisa errada Se no era bandido, um dia ia ser Por ser PRETO sua morte defendida O PRETO sempre merece morrer. A estrofe acima do poeta e educador social Baticum Proletrio, que atua na periferia de Fortaleza, no Cear, preparando jovens em quase sua totalidade negros para enfrentar as dificuldades impostas pelo racismo estrutural no pas. a partir da arte que Baticum consegue envolver a juventude em um projeto de fortalecimento dessa populao ao promover batalhas de rimas, slams e saraus com temticas que discutem os problemas sociais. No por acaso, o tema mais explorado nas rimas, versos e prosas a violncia. De acordo com o mais recente Atlas da violncia, em 2019, os negros representaram 77% das vtimas de homicdios, quase 30 assassinatos por 100 mil habitantes, a maioria deles jovens. O Atlas revela ainda que um negro tem quase 2,7 vezes mais chance de ser morto do que um branco, o que justifica o movimento de resistncia crescente no Brasil. MENDONA, F. Disponvel em: www.cartacapital.com.br. Acesso em: 22 nov. 2021 (adaptado). O uso de citao e de dados estatsticos nesse texto tem o objetivo de
(ENEM - 2023) No princpio era o verbo. A frase que abre o primeiro captulo do Evangelho de Joo e remete criao do mundo, assim como tambm faz o Gnesis, a mais famosa da Bblia. A ideia de que o mundo criado pela palavra, porm, to estruturante que est presente em outras religies, para muito alm das fundadas no cristianismo. Como humanos, a linguagem o mundo que habitamos. Basta tentar imaginar um mundo em que no podemos usar palavras para dizer de ns e dos outros para compreender o que isso significa. Ou um mundo em que aquilo que voc diz no entendido pelo outro, e o que o outro diz no entendido por voc. O que acontece ento quando a palavra destruda e, com ela, a linguagem? Durante sculos, em diferentes sociedades e lnguas, importante lembrar, a linguagem serviu e ainda serve para manter privilgios de grupos de poder e deixar todos os outros de fora. Quem entende linguagem de advogados, juzes e promotores, linguagem de mdicos, linguagem de burocratas, linguagem de cientistas? A maior parte da populao foi submetida violncia de propositalmente ser impedida de compreender a linguagem daqueles que determinam seus destinos. Se o princpio o verbo, o fim pode ser o silenciamento. Mesmo que ele seja cheio de gritos entre aqueles que j no tm linguagem comum para compreender uns aos outros. BRUM, E. Disponvel em: https://brasil.elpais.com. Acesso em: 5 nov. 2021. Nesse texto, a estratgia usada para convencer o leitor de que uma grande parcela da populao no compreende a linguagem daqueles que detm o poder foi
(ENEM - 2023) Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Cear desenvolveu um dicionrio para traduzir sintomas de doenas da linguagem popular para os termos mdicos. Defruo, chanha e piloura, por exemplo, podem ser termos conhecidos para muitos, mas, durante uma consulta mdica, o desconhecimento pode significar um diagnstico errado. Isso um registro histrico e pode ser muito til para estudos dessas comunidades, na abordagem mdica delas. de certa forma pioneiro no Brasil e, sem dvida, um instrumento de trabalho importante, porque a comunicao fundamental na relao mdico-paciente, avalia o reitor da instituio. Disponvel em: https://g1.globo.com. Acesso em: 1 nov. 2021 (adaptado). Ao registrarem usos regionais de termos da rea mdica, pesquisadores
(ENEM - 2023) Algum muito recentemente cortara o mato, que na poca das chuvas crescia e rodeava a casa da me de Ponci Vicncio e de Luandi. Havia tambm vestgios de que a terra fora revolvida, como se ali fosse plantar uma pequena roa. Luandi sorriu. A me devia estar bastante forte, pois ainda labutava a terra. Cantou alto uma cantiga que aprendera com o pai, quando eles trabalhavam na terra dos brancos. Era uma cano que os negros mais velhos ensinavam aos mais novos. Eles diziam ser uma cantiga de voltar, que os homens, l na frica, entoavam sempre, quando estavam regressando da pesca, da caa ou de algum lugar. O pai de Luandi, no dia em que queria agradar mulher, costumava entoar aquela cantiga ao se aproximar de casa. Luandi no entendia as palavras do canto; sabia, porm, que era uma lngua que alguns negros falavam ainda, principalmente os velhos. Era uma cantiga alegre. Luandi, alm de cantar, acompanhava o ritmo batendo com as palmas das mos em um atabaque imaginrio. Estava de regresso terra. Voltava em casa. Chegava cantando, danando a doce e vitoriosa cantiga de regressar. EVARISTO, C. Ponci Vicncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2018. A leitura do texto permite reconhecer a cantiga de voltar como patrimnio lingustico que
(ENEM - 2023) TEXTO I Zapeei os canais, como h dezenas de anos fao, e p: parei num que exibia um episdio daquela velha famlia do futuro, Os Jetsons. Nesse episdio em particular, a Jane Jetson, esposa do George, tratava de dirigir aquele veculo voador deles. Meu queixo foi caindo medida que as piadinhas machistas sobre mulheres dirigirem foram se acumulando. Impressionante! Que futuro careta aqueles roteiristas imaginavam! Seriam incapazes de projetar algo melhor, e no apenas em termos de tecnologias, robs e carros voadores? Ser que nossa mxima viso de futuro s atinge as coisas, e jamais as pessoas? Como a Jane, uma mulher de 33 anos no desenho, poderia ser o que foram as minhas bisavs? O futuro, naquele desenho, se esqueceu de ser melhor nas relaes entre as pessoas. Alis... to parecido com a vida. Fiquei de cara, como dizemos aqui, ou como dizamos na minha adolescncia, pobre adolescncia, aprendendo, sem querer e sem muita defesa, um futuro to besta quanto o passado. RIBEIRO, A. E. Disponvel em: www.rascunho.com br. Acesso em: 21 out. 2021 (adaptado). TEXTO II Masculino e feminino so campos escorregadios que s se definem por oposio, sempre incompleta, um do outro. So formaes imaginrias que buscam produzir uma diferena radical e complementar onde s existem, de fato, mnimas diferenas. O resto questo de estilo. At pelo menos a segunda metade do sculo 19, o divisor de guas era claro: os homens ocupavam o espao pblico. As mulheres tratavam da vida privada. Privada de qu? De visibilidade, diria Hannah Arendt. De visibilidade pblica. Do que as mulheres estiveram privadas at o sculo 20 foi de presena pblica manifesta no em imagem, mas em palavra. A palavra feminina, reservada ao espao domstico, no produzia diferena na vida social. KHEL, M. R. Disponvel em: https://alias.estadao.com.br. Acesso em: 19 out. 2021 (adaptado). A representao da mulher apresentada no Texto I pode ser explicada pelo Texto II no que diz respeito (s)
(ENEM - 2023) Esse anncio publicitrio, veiculado durante o contexto da pandemia de covid-19, tem por finalidade
(ENEM - 2023) Passado muito tempo, resolvi tentar falar, porque estava sozinha me embrenhando na mesma vereda que Donana costumava entrar. Ainda recordo da palavra que escolhi: arado. Me deleitava vendo meu pai conduzindo o arado velho da fazenda carregado pelo boi, rasgando a terra para depois lanar gros de arroz em torres marrons e vermelhos revolvidos. Gostava do som redondo, fcil e ruidoso que tinha ao ser enunciado. Vou trabalhar no arado. Vou arar a terra. Seria bom ter um arado novo, esse arado t troncho e velho. O som que deixou minha boca era uma aberrao, uma desordem, como se no lugar do pedao perdido da lngua tivesse um ovo quente. Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deix-la infrtil, destruda, dilacerada. VIEIRA JR., I. Torto arado. So Paulo: Todavia, 2019. Com a perda de parte da lngua na infncia, a narradora tenta voltar a falar. Essa tentativa revela uma experincia que