(ENEM - 2023)
Passado muito tempo, resolvi tentar falar, porque estava sozinha me embrenhando na mesma vereda que Donana costumava entrar. Ainda recordo da palavra que escolhi: arado. Me deleitava vendo meu pai conduzindo o arado velho da fazenda carregado pelo boi, rasgando a terra para depois lançar grãos de arroz em torrões marrons e vermelhos revolvidos. Gostava do som redondo, fácil e ruidoso que tinha ao ser enunciado. “Vou trabalhar no arado.” “Vou arar a terra.” “Seria bom ter um arado novo, esse arado tá troncho e velho.” O som que deixou minha boca era uma aberração, uma desordem, como se no lugar do pedaço perdido da língua tivesse um ovo quente. Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada.
VIEIRA JR., I. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019.
Com a perda de parte da língua na infância, a narradora tenta voltar a falar. Essa tentativa revela uma experiência que
reflete o olhar do pai sobre as etapas do plantio.
metaforiza a linguagem como ferramenta de lavoura.
explicita, na busca pela palavra, o medo da solidão.
confirma a frustração da narradora com relação à terra.
sugere, na ausência da linguagem, a estagnação do tempo.