(Fgvrj 2015) Catar Feijão 1 Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2 Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco. João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra. A comparação escolhida por João Cabral de Melo Neto para caracterizar o ato de escrever:
(FGV - 2015) UMA TIA-AV Fico abismada de ver de quanta coisa no me lembro. Alis, no me lembro de nada. Por exemplo, as frias em que eu ia para uma cidade do interior de Minas, acho que nem cidade era, era uma rua, e passava por Belo Horizonte, onde tinha uma tia-av. No poderia repetir o rosto dela, sei que muito magra, vestido at o cho, fantasma em cinzentos, levemente muda, deslizando por corredores de portas muito altas. O clima da casa era de passado embrulhado em papel de seda amarfanhado, e posto no canto para que no se atrevesse a voltar tona. Nem um riso, um barulho de copos tinindo. Quem estava ali sabia que quanto menos se mexesse menor o perigo de sofrer. Afinal o mundo era um vale de lgrimas. A casa dava para a rua, no tinha jardim, a no ser que voc se aventurasse a subir uma escada de cimento, lateral, que te levava aos jardins suspensos da Babilnia. Nem precisava ser sensvel para sentir a secura, a geometria esturricada dos canteiros sob o cu de anil de Minas. Nada, nem uma flor, s coisas que espetavam e buxinhos com formatos rgidos e duras palmas e os urubus rodando alto, em cima, esperando O qu? Segredos enterrados, medo, sentia eu destrambelhando escada abaixo. Na sala, uma cristaleira antiga com um cacho enorme de uvas enroladas em papel brilhante azul. Para mim, pareciam uvas de chocolate, recheadas de bebida, mas no tinha coragem de pedir, estavam l ano aps ano, intocadas. A av, baixinho, permitia, Quer, pode pegar, com voz neutra, mas eu declinava, doida de desejo. Das comidas comuns da casa, no me lembro de uma couvinha que fosse, no me lembro de empregadas, cozinheiras, sala de jantar, nada. Enfim, Belo Horizonte para mim era uma terra triste, de mulheres desesperadas e mudas enterradas no tempo, chocolates sedutores e proibidos. S valia como passagem para a roa brilhante de sol que me esperava. Nina Horta, Folha de S. Paulo, 17/07/2013. Adaptado. Considerando-se os elementos descritivos presentes no texto, correto apontar, nele, o emprego de
(FGV/RJ - 2015) Texto para a(s) questo(es) a seguir Algum tempo hesitei se devia abrir estas memrias pelo princpio ou pelo fim, isto , se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja comear pelo nascimento, duas consideraes me levaram a adotar diferente mtodo: a primeira que eu no sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro bero; a segunda que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moiss, que tambm contou a sua morte, no a ps no introito, mas no cabo: diferena radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei s duas horas da tarde de uma sexta-feira do ms de agosto de 1869, na minha bela chcara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prsperos, era solteiro, possua cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitrio por onze amigos. Machado de Assis, Memrias pstumas de Brs Cubas. Pode-se apontar, no texto, a contradio, que repercute na obra a que ele pertence, entre
(FGV - 2015) Nuvens contm uma quantidade impressionante de gua. Mesmo as pequenas podem reter um volume de 750 km de gua e, se calcularmos meio grama de gua por metro cbico, essas minsculas gotas flutuantes podem formar verdadeiros lagos voadores. Imagine a situao de um agricultor que observa, planando sobre os campos ressecados, nuvens contendo gua mais que suficiente para salvar sua lavoura e deixar um bom saldo, mas que, em vez disso, produzem apenas algumas gotas antes de desaparecer no horizonte. essa situao desesperadora que leva o mundo todo a gastar milhes de dlares todos os anos tentando controlar a chuva. Nos Estados Unidos, a tendncia de extrair mais umidade do ar vem aumentando em mais um ano de secas severas. Em boa parte das plancies centrais e do sudoeste do pas, os nveis de chuva, desde 2010, tm diminudo entre um e dois teros, com impacto direto nos preos do milho, trigo e soja. A Califrnia, fonte de boa parte das frutas e legumes que abastecem o pas, ainda deve recuperar-se de uma seca que deixou seus reservatrios com metade da capacidade e reas sem gelo perigosamente reduzidas. Em fevereiro, o Servio Nacional do Clima divulgou que o estado tem uma chance em mil de se recuperar logo. Produtores de amndoas esto preocupados com suas plantaes por falta de umidade, e at a gua potvel est ameaada. (Scientific American Brasil, julho de 2014. Adaptado) No texto, so exemplos de palavras formadas por derivao prefixal e por derivao sufixal, respectivamente:
(FGV - 2015) Leia o texto para responder questo Pela tarde apareceu o Capito Vitorino. Vinha numa burra velha, de chapu de palha muito alvo, com a fita verde- -amarela na lapela do palet. O mestre Jos Amaro estava sentado na tenda, sem trabalhar. E quando viu o compadre alegrou-se. Agora as visitas de Vitorino faziam-lhe bem. Desde aquele dia em que vira o compadre sair com a filha para o Recife, fazendo tudo com to boa vontade, que Vitorino no lhe era mais o homem infeliz, o pobre bobo, o sem-vergonha, o vagabundo que tanto lhe desagradava. Vitorino apeou-se para falar do ataque ao Pilar. No era amigo de Quinca Napoleo, achava que aquele bicho vivia de roubar o povo, mas no aprovava o que o capito fizera com a D. Ins. Meu compadre, uma mulher como a D. Ins para ser respeitada. E o capito desrespeitou a velha, compadre? Eu no estava l. Mas me disseram que botou o rifle em cima dela, para fazer medo, para ver se D. Ins lhe dava a chave do cofre. Ela no deu. Jos Medeiros, que homem, borrou-se todo quando lhe entrou um cangaceiro no estabelecimento. Me disseram que o safado chorava como bezerro desmamado. Este cachorro anda agora com o fogo da fora da polcia fazendo o diabo com o povo. (Jos Lins do Rego, Fogo Morto) Sem que haja alterao de sentido do texto, assinale a alternativa correta quanto regncia verbal
(FGV - 2015) Pela tarde apareceu o Capito Vitorino. Vinha numa burra velha, de chapu de palha muito alvo, com a fita verde- amarela na lapela do palet. O mestre Jos Amaro estava sentado na tenda, sem trabalhar. E quando viu o compadre alegrou-se. Agora as visitas de Vitorino faziam-lhe bem. Desde aquele dia em que vira o compadre sair com a filha para o Recife, fazendo tudo com to boa vontade, que Vitorino no lhe era mais o homem infeliz, o pobre bobo, o sem-vergonha, o vagabundo que tanto lhe desagradava. Vitorino apeou-se para falar do ataque ao Pilar. No era amigo de Quinca Napoleo, achava que aquele bicho vivia de roubar o povo, mas no aprovava o que o capito fizera com a D. Ins. Meu compadre, uma mulher como a D. Ins para ser respeitada. E o capito desrespeitou a velha, compadre? Eu no estava l. Mas me disseram que botou o rifle em cima dela, para fazer medo, para ver se D. Ins lhe dava a chave do cofre. Ela no deu. Jos Medeiros, que homem, borrou-se todo quando lhe entrou um cangaceiro no estabelecimento. Me disseram que o safado chorava como bezerro desmamado. Este cachorro anda agora com o fogo da fora da polcia fazendo o diabo com o povo. (Jos Lins do Rego,Fogo Morto) A colocao do pronome est adequada situao comunicativa da narrativa literria, mas est em desacordo com a norma-padro, na seguinte passagem do texto
(FGV/RJ - 2015) Caracteriza o Romantismo, na literatura brasileira, I. o desejo de exprimir sentimentos como orgulho patritico, considerado, ento, algo de primordial importncia; II. a inteno de criar uma literatura independente, diversa, de identidade bem marcada; III. a percepo da atividade literria como parte indispensvel da tarefa patritica de construo nacional. Est correto o que se afirma em
(Fgv 2015) TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: Texto I QUAL O PODER DA LEITURA NESTES TEMPOS DIFÍCEIS? Hoje, é possível dizer que o mundo inteiro é um espaço em crise. Uma crise se estabelece de fato quando transformações de caráter brutal mesmo se preparadas há tempos -, ou ainda uma violência permanente e generalizada, tornam extensamente inoperantes os modos de regulamentação, sociais e psíquicos, que até então estavam sendo praticados. Ora, a aceleração das transformações, o crescimento das desigualdades, das disparidades, a extensão das migrações alteraram ou fizeram desaparecer os parâmetros nos quais a vida se desenvolvia, vulnerabilizando homens, mulheres e crianças, de maneira obviamente bastante distinta, de acordo com os recursos materiais, culturais, afetivos de que dispõem e segundo o lugar onde vivem. Para boa parte deles, no entanto, tais crises se manifestam em transtornos semelhantes. Vividas como rupturas, ainda mais quando são acompanhadas da separação dos próximos, da perda da casa ou das paisagens familiares, as crises os confinam em um tempo imediato sem projeto, sem futuro -, em um espaço sem linha de fuga. Despertam feridas antigas, reativam o medo do abandono, abalam o sentimento de continuidade de si e a autoestima. Provocam, às vezes, uma perda total de sentido, mas podem igualmente estimular a criatividade e a inventividade, contribuindo para que outros equilíbrios sejam forjados, pois em nosso psiquismo, como disse René Kaës, uma crise libera, ao mesmo tempo, forças de morte e forças de regeneração. O desastre ou a crise são também, e sobretudo, oportunidades, escreveram Chamoiseau e Glissant, após a passagem de um ciclone. Quando tudo desmorona ou se vê transformado, são também os rigores ou as impossibilidades que se veem transformados. São os improváveis que, de repente, se veem esculpidos por novas luzes. A leitura pode garantir essas forças de vida? O que esperar dela sem vãs ilusões em lugares onde a crise é particularmente intensa, seja em contextos de guerra ou de repetidas violências, de deslocamentos de populações mais ou menos forçados, ou de vertiginosas recessões econômicas? Em tais contextos, crianças, adolescentes e adultos poderiam redescobrir o papel dessa atividade na reconstrução de si mesmos e, além disso, a contribuição única da literatura e da arte para a atividade psíquica. Para a vida, em suma. Michèle Petit, A arte de ler ou como resistir à adversidade. São Paulo: ed. 34, 2009. Texto II Paradoxalmente, o caos em que a humanidade corre o risco de mergulhar traz em seu bojo sua própria e última oportunidade. Por quê? Para começar, porque a proximidade do perigo favorece as instâncias de conscientização, que podem então multiplicar-se, ampliar-se e fazer surgir uma grande política de salvação do mundo. E, sobretudo, pela seguinte razão: quando um sistema é incapaz de resolver seus problemas vitais, ou ele se desintegra, ou é capaz, dentro de sua própria desintegração, de metamorfosear-se num metassistema mais rico, capaz de buscar soluções para esses problemas. Edgar Morin, http://www.comitepaz.org.br Texto III O que diz o vento (07/10/1991) Para o Brasil chegar afinal ao Primeiro Mundo só falta vulcão. Uns abalozinhos já têm havido por aí, e cada vez mais frequentes. Agora passa por Itu esse vendaval, com tantas vítimas e tantos prejuízos a lastimar. Alguns jornais não tiveram dúvida: ciclone. Ou tornado, quem sabe. Shelley que me desculpe, mas vento me dá nos nervos. Desarruma a gente por dentro. Mas, em matéria de vento, poeta tem imunidades. Manuel Bandeira associou à canção do vento a canção da sua vida. O vento varria as luzes, as músicas, os aromas. E a sua vida ficava cada vez mais cheia de aromas, de estrelas, de cânticos. Fúria dos elementos, símbolo da instabilidade, o vento é ao mesmo tempo sopro de vida. Uma aragem acompanha sempre os anjos. E foi o vento que fez descer sobre os apóstolos as línguas de fogo do Espírito Santo. Destruidor e salvador, com o vento renasce a vida, diz a Ode to the West Wind, de Shelley. No inverno só um poeta romântico entrevê o início da primavera. Divindade para os gregos, o vento inquieta porque sacode a apatia e a estagnação. Com esse poder de levar embora, suponhamos que uma lufada varresse o Brasil, como na canção do Manuel Bandeira. Que é que esse vento benfazejo devia levar embora? Todo mundo sabe o mundo de males que nos oprime nesta hora. Deviam ser varridos para sempre. Se vento leva e traz, se vento é mudança, não custa acreditar que, passada a tempestade, vem a bonança. E com ela, o sopro renovador garante o poeta. A casa destelhada, a destruição já começou. Vem aí a reconstrução. Otto Lara Resende, Bom dia para nascer: crônicas publicadas na Folha de S. Paulo. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. Adaptado. Responda ao que se pede: a) O autor do texto III ilustra o tema de sua crônica com um provérbio. Esse provérbio poderia ilustrar também os temas dos textos I e II? Justifique sua reposta. b) Diferentemente do texto I e II, a crônica de Otto L. Resende, tendo em vista o gênero a que pertence, tem características tanto do estilo jornalístico quanto do literário. Identifique duas marcas linguísticas presentes no texto: uma, própria do estilo literário; outra, própria do estilo jornalístico.
(FGV/RJ - 2015) Agora me digam: como que, com tio-av modinheiro parente de Castro Alves, com quem notivagava na Bahia; pai curtidor de um sarau musical, tocando violo ele prprio e depositrio de canes que nunca mais ouvi cantadas, como O leve batel, linda, lancinante, ldica e que mais palavras haja em ls lquidos e palatais, com versos atribudos a Bilac; av materna e me pianistas, dedilhando aquelas valsas antigas que doem como uma crise de angina no peito; dois tios seresteiros, como Henriquinho e tio Carlinhos, irmo de minha me, de dois metros de altura e um digitalismo espantosos, uma espcie de Canhoto (que tambm o era) da Gvea; como que, com toda essa prognie, poderia eu deixar de ser tambm um compositor popular Vinicius de Moraes, Samba falado: (crnicas musicais). Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. Adaptado. Das caractersticas abaixo, frequentemente encontradas em crnicas, a nica que NO se aplica ao texto :
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: BOCAGE NO FUTEBOL Quando eu tinha 3meus cinco, meus seis anos, morava, ao lado de minha casa, um garoto que era 2tido e havido como o anticristo da rua. Sua idade regulava com a minha. E 6justiça se lhe faça: não havia palavrão que ele não praticasse. Eu, na minha candura pânica, vivia cercado de conselhos, por todos os lados: Não brinca com Fulano, que ele diz nome feio!. E o Fulano assumia, aos meus olhos, as proporções feéricas de um Drácula, de um 1Nero de fita de cinema. Mas o tempo passou. E acabei descobrindo que, afinal de contas, o anjo de boca suja estava com a razão. Sim, amigos: cada nome feio que a vida extrai de nós é um estímulo vital irresistível. Por exemplo: os nautas camonianos. Sem uma sólida, potente e jucunda pornografia, um Vasco da Gama, um Colombo, um Pedro Álvares Cabral não teriam sido almirantes nem de barca da Cantareira. O que os virilizava era o bom, o cálido, o inefável palavrão. Mas, se nas relações humanas em geral, o nome feio produz esse impacto criador e libertário, que dizer do futebol? Eis a verdade: retire-se a pornografia do futebol e nenhum jogo será possível. Como jogar ou como torcer se não podemos xingar ninguém? O craque ou o torcedor é um Bocage. Não o 4Bocage fidedigno, que nunca existiu. Para mim, o 5verdadeiro Bocage é o falso, isto é, o Bocage de anedota. Pois bem: está para nascer um jogador ou um torcedor que não seja bocagiano. O craque brasileiro não sabe ganhar partidas sem o incentivo constante dos rijos e imortais palavrões da língua. Nós, de longe, vemos os 22 homens 7correndo em campo, matando-se, agonizando, rilhando os dentes. Parecem dopados e realmente o estão: o chamado nome feio é o seu excitante eficaz, o seu afrodisíaco insuperável. Nélson Rodrigues, À sombra das chuteiras imortais. São Paulo: Cia. das Letras, 1993. 5. (Fgvrj 2013) Tendo em vista o contexto, sobre os seguintes trechos, só NÃO é correto afirmar:
(FGV - 2013) O comrcio de bens de consumo significa comrcio de gua; mas, como ela no est diretamente contida nos produtos, fala-se em gua virtual e esta todos ns consumimos em quantidades muito do que a gua da torneira, e em geral sem saber. Ainda assim, na mais recente pesquisa eurobaromtrica, 75% de 25,5 mil da Unio Europeia (EU) exigiram um melhor esclarecimento sobre o consumo de gua. (Geo, n. 40, 2012. Adaptado) As lacunas do texto devem ser preenchidas, respectivamente, com:
(FGV/RJ - 2013) Quando Bauer, o de ps ligeiros, se apoderou da cobiada esfera, logo o suspeitoso Naranjo lhe partiu ao encalo, mas j Brandozinho, semelhante chama, lhe cortou a avanada. A tarde de olhos radiosos se fez mais clara para contemplar aquele combate, enquanto os agudos gritos e imprecaes em redor animavam os contendores. A uma investida de Crdenas, o de fera catadura, o couro inquieto quase se foi depositar no arco de Castilho, que com torva face o repeliu. Eis que Djalma, de aladas plantas, rompe entre os adversrios atnitos, e conduz sua presa at o solerte Julinho, que a transfere ao valoroso Didi, e este por sua vez a comunica ao belicoso Pinga. (...) Assim gostaria eu de ouvir a descrio do jogo entre brasileiros e mexicanos, e a de todos os jogos: maneira de Homero. Mas o estilo atual outro, e o sentimento dramtico se orna de termos tcnicos. Carlos Drummond de Andrade, Quando dia de futebol. Rio: Record, 2002. Referem-se apenas aos inimigos, e no aos heris, as seguintes caracterizaes presentes no texto:
(FGV-RJ-2013) BOCAGE NO FUTEBOL Quando eu tinha meus cinco, meus seis anos, morava, ao lado de minha casa, um garoto que era tido e havido como o anticristo da rua. Sua idade regulava com a minha. E justiça se lhe faça: não havia palavrão que ele não praticasse. Eu, na minha candura pânica, vivia cercado de conselhos, por todos os lados: Não brinca com Fulano, que ele diz nome feio!. E o Fulano assumia, aos meus olhos, as proporções feéricas de um Drácula, de um Nero de fita de cinema. Mas o tempo passou. E acabei descobrindo que, afinal de contas, o anjo de boca suja estava com a razão. Sim, amigos: cada nome feio que a vida extrai de nós é um estímulo vital irresistível. Por exemplo: os nautas camonianos. Sem uma sólida, potente e jucunda pornografia, um Vasco da Gama, um Colombo, um Pedro Álvares Cabral não teriam sido almirantes nem de barca da Cantareira. O que os virilizava era o bom, o cálido, o inefável palavrão. Mas, se nas relações humanas em geral, o nome feio produz esse impacto criador e libertário, que dizer do futebol? Eis a verdade: retire-se a pornografia do futebol e nenhum jogo será possível. Como jogar ou como torcer se não podemos xingar ninguém? O craque ou o torcedor é um Bocage. Não o Bocage fidedigno, que nunca existiu. Para mim, o verdadeiro Bocage é o falso, isto é, o Bocage de anedota. Pois bem: está para nascer um jogador ou um torcedor que não seja bocagiano. O craque brasileiro não sabe ganhar partidas sem o incentivo constante dos rijos e imortais palavrões da língua. Nós, de longe, vemos os 22 homens correndo em campo, matando-se, agonizando, rilhando os dentes. Parecem dopados e realmente o estão: o chamado nome feio é o seu excitante eficaz, o seu afrodisíaco insuperável. Nélson Rodrigues, À sombra das chuteiras imortais. São Paulo: Cia. das Letras, 1993. Quando Bauer, o de pés ligeiros, se apoderou da cobiçada esfera, logo o suspeitoso Naranjo lhe partiu ao encalço, mas já Brandãozinho, semelhante à chama, lhe cortou a avançada. A tarde de olhos radiosos se fez mais clara para contemplar aquele combate, enquanto os agudos gritos e imprecações em redor animavam os contendores. A uma investida de Cárdenas, o de fera catadura, o couro inquieto quase se foi depositar no arco de Castilho, que com torva face o repeliu. Eis que Djalma, de aladas plantas, rompe entre os adversários atônitos, e conduz sua presa até o solerte Julinho, que a transfere ao valoroso Didi, e este por sua vez a comunica ao belicoso Pinga. (...) Assim gostaria eu de ouvir a descrição do jogo entre brasileiros e mexicanos, e a de todos os jogos: à maneira de Homero. Mas o estilo atual é outro, e o sentimento dramático se orna de termos técnicos. Carlos Drummond de Andrade, Quando é dia de futebol. Rio: Record, 2002. Ambos os textos o de Nélson Rodrigues e o de Drummond pertencem à modalidade textual conhecida como
(Fgvrj/2013) CAPÍTULO 73 - O Luncheon* O despropósito fez-me perder outro capítulo. Que melhor não era dizer as coisas lisamente, sem todos estes solavancos! Já comparei o meu estilo ao andar dos ébrios. Se a ideia vos parece indecorosa, direi que ele é o que eram as minhas refeições com Virgília, na casinha da Gamboa, onde às vezes fazíamos a nossa patuscada, o nosso luncheon. Vinho, frutas, compotas. Comíamos, é verdade, mas era um comer virgulado de palavrinhas doces, de olhares ternos, de criancices, uma infinidade desses apartes do coração, aliás o verdadeiro, o ininterrupto discurso do amor. Às vezes vinha o arrufo temperar o nímio adocicado da situação. Ela deixava-me, refugiava-se num canto do canapé, ou ia para o interior ouvir as denguices de Dona Plácida. Cinco ou dez minutos depois, reatávamos a palestra, como eu reato a narração, para desatá-la outra vez. Note-se que, longe de termos horror ao método, era nosso costume convidá-lo, na pessoa de Dona Plácida, a sentar-se conosco à mesa; mas Dona Plácida não aceitava nunca. Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. (*) Luncheon (Ing.): lanche, refeição ligeira, merenda. No trecho, revelam, respectivamente, um parentesco e um afastamento em relação às Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, o termo
(FGVRJ/2013) BOCAGE NO FUTEBOL Quando eu tinha meus cinco, meus seis anos, morava, ao lado de minha casa, um garoto que era tido e havido como o anticristo da rua. Sua idade regulava com a minha. E justiça se lhe faça: não havia palavrão que ele não praticasse. Eu, na minha candura pânica, vivia cercado de conselhos, por todos os lados: Não brinca com Fulano, que ele diz nome feio!. E o Fulano assumia, aos meus olhos, as proporções feéricas de um Drácula, de um Nero de fita de cinema. Mas o tempo passou. E acabei descobrindo que, afinal de contas, o anjo de boca suja estava com a razão. Sim, amigos: cada nome feio que a vida extrai de nós é um estímulo vital irresistível. Por exemplo: os nautas camonianos. Sem uma sólida, potente e jucunda pornografia, um Vasco da Gama, um Colombo, um Pedro Álvares Cabral não teriam sido almirantes nem de barca da Cantareira. O que os virilizava era o bom, o cálido, o inefável palavrão. Mas, se nas relações humanas em geral, o nome feio produz esse impacto criador e libertário, que dizer do futebol? Eis a verdade: retire-se a pornografia do futebol e nenhum jogo será possível. Como jogar ou como torcer se não podemos xingar ninguém? O craque ou o torcedor é um Bocage. Não o Bocage fidedigno, que nunca existiu. Para mim, o verdadeiro Bocage é o falso, isto é, o Bocage de anedota. Pois bem: está para nascer um jogador ou um torcedor que não seja bocagiano. O craque brasileiro não sabe ganhar partidas sem o incentivo constante dos rijos e imortais palavrões da língua. Nós, de longe, vemos os 22 homens correndo em campo, matando-se, agonizando, rilhando os dentes. Parecem dopados e realmente o estão: o chamado nome feio é o seu excitante eficaz, o seu afrodisíaco insuperável. Nélson Rodrigues, À sombra das chuteiras imortais. São Paulo: Cia. das Letras, 1993. Quando Bauer, o de pés ligeiros, se apoderou da cobiçada esfera, logo o suspeitoso Naranjo lhe partiu ao encalço, mas já Brandãozinho, semelhante à chama, lhe cortou a avançada. A tarde de olhos radiosos se fez mais clara para contemplar aquele combate, enquanto os agudos gritos e imprecações em redor animavam os contendores. A uma investida de Cárdenas, o de fera catadura, o couro inquieto quase se foi depositar no arco de Castilho, que com torva face o repeliu. Eis que Djalma, de aladas plantas, rompe entre os adversários atônitos, e conduz sua presa até o solerte Julinho, que a transfere ao valoroso Didi, e este por sua vez a comunica ao belicoso Pinga. (...) Assim gostaria eu de ouvir a descrição do jogo entre brasileiros e mexicanos, e a de todos os jogos: à maneira de Homero. Mas o estilo atual é outro, e o sentimento dramático se orna de termos técnicos. Carlos Drummond de Andrade, Quando é dia de futebol. Rio: Record, 2002. O gênero literário que Drummond tomou como base para a composição de seu texto revela, no escritor mineiro, uma determinada visão do futebol que também reponta no seguinte trecho do texto de Nélson Rodrigues: