(FUVEST - 2024)
“Todos os dias que depois vieram, eram tempo de doer. Miguilim tinha sido arrancado de uma porção de coisas, e estava no mesmo lugar. Quando chegava o poder de chorar, era até bom – enquanto estava chorando, parecia que a alma toda se sacudia, misturando ao vivo todas as lembranças, as mais novas e as muito antigas. Mas, no mais das horas, ele estava cansado. Cansado e como que assustado. Sufocado. Ele não era ele mesmo. Diante dele, as pessoas, as coisas, perdiam o peso de ser. Os lugares, o Mutum – se esvaziavam, numa ligeireza, vagarosos. E Miguilim mesmo se achava diferente de todos. Ao vago, dava a mesma ideia de uma vez, em que, muito pequeno, tinha dormido de dia, fora de seu costume – quando acordou, sentiu o existir do mundo em hora estranha, e perguntou assustado: – ‘Uai, Mãe, hoje já é amanhã?!’”
João Guimarães Rosa. Campo Geral.
Conforme sugere o trecho, o sofrimento perturba a noção que Miguilim tinha do tempo, porque
a falta de acuidade visual não lhe permite distinguir as épocas.
o desamor ao pai o faz romper com a infância cedo demais.
o aprendizado da morte embaralha os planos da memória.
a sensação de vazio o leva a se sentir seguro no presente.
os dias vividos no Mutum mostram-se cada vez mais curtos.