I.
Cinquenta anos! Não era preciso confessá-lo. Já se vai sentindo que o meu estilo não é tão lesto como nos primeiros dias. Naquela ocasião, cessado o diálogo com o oficial da marinha, que enfiou a capa e saiu, confesso que fiquei um pouco triste. Voltei à sala, lembrou-me dançar uma polca, embriagar-me das luzes, das flores, dos cristais, dos olhos bonitos, e do burburinho surdo e ligeiro das conversas particulares. E não me arrependo; remocei. Mas, meia hora depois, quando me retirei do baile, às quatro da manhã, o que é que fui achar no fundo do carro? Os meus cinquenta anos. Lá estavam eles, os teimosos, não tolhidos de frio, nem reumáticos, — mas cochilando a sua fadiga, um pouco cobiçosos de cama e de repouso. Então, — e vejam até que ponto pode ir a imaginação de um homem com sono, — então pareceu-me ouvir de um morcego encarapitado no tejadilho: Senhor Brás Cubas, a rejuvenescência estava na sala, nos cristais, nas luzes, nas sedas, — enfim, nos outros.
ASSIS, Machado de. Cinquenta anos. Memórias póstumas de Brás Cubas. 22 ed. São Paulo: Ática 1997. p. 157.
II.
[...] Sabes que esta casa do Engenho Novo, nas dimensões, disposições e pinturas, é reprodução da minha antiga casa de Matacavalos. Outrossim, como te disse no capítulo II, o meu fim em imitar a outra foi ligar as duas pontas da vida, o que aliás não alcancei. Pois o mesmo sucedeu àquele sonho do seminário, por mais que tentasse dormir e dormisse. Donde concluo que um dos ofícios do homem é fechar e apertar muito os olhos, e ver se continua pela noite velha o sonho truncado da noite moça.
ASSIS, Machado de. Uma ideia e um escrúpulo. D. Casmurro. 29. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 96.
No fragmento II, o narrador
dirige-se ao leitor, aproximando-o do narrado.
apega-se ao presente para esquecer-se do passado.
evidencia o sentimento de aceitação dos limites impostos pela vida
tece considerações críticas a respeito dos sonhos inalcançáveis.
mostra-se capaz de romper com as forças que comandam o seu destino.