(UNESP - 2013/2 - 2 FASE)
Como disse, rolava eu no capim, pronto a dar ao caso solução briosa, na hora em que o querelante apresentou aquela risada de pouco-caso e deboche:
– Quá-quá-quá...
Não precisou de mais nada para que o gênio dos Azeredos e demais Furtados viesse de vela solta. Dei um pulo de cabrito e preparado estava para a guerra do lobisomem. Por descargo de consciência, do que nem carecia, chamei os santos de que sou devocioneiro:
– São Jorge, Santo Onofre, São José!
Em presença de tal apelação, mais brabento apareceu a peste. Ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azeredo Furtado. Dos olhos do lobisomem pingava labareda, em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente. Tanta chispa largava o penitente que um caçador de paca, estando em distância de bom respeito, cuidou que o mato estivesse ardendo. Já nessa altura eu tinha pegado a segurança de uma figueira e lá de cima, no galho mais firme, aguardava a deliberação do lobisomem. Garrucha engatilhada, só pedia que o assombrado desse franquia de tiro. Sabidão, cheio de voltas e negaças, deu ele de executar macaquice que nunca cuidei que um lobisomem pudesse fazer. Aquele par de brasas espiava aqui e lá na esperança de que eu pensasse ser uma súcia deles e não uma pessoa sozinha. O que o galhofista queria é que eu, coronel de ânimo desenfreado, fosse para o barro denegrir a farda e deslustrar a patente. Sujeito especial em lobisomem como eu não ia cair em armadilha de pouco pau. No alto da figueira estava, no alto da figueira fiquei. Diante de tão firme deliberação, o vingativo mudou o rumo da guerra. Caiu de dente no pé de pau, na parte mais afunilada, como se serrote fosse:
– Raque-raque-raque.
Não conversei – pronto dois tiros levantaram asa da minha garrucha. Foi o mesmo que espalhar arruaça no mato todo. Subiu asa de tudo que era bicho da noite e uma sociedade de morcegos escureceu o luar. No meio da algazarra, já de fugida, vi o lobisomem pulando coxo, de pernil avariado, língua sobressaída na boca. Na primeira gota de sangue a maldição desencantava, como é de lei e dos regulamentos dessa raça de penitentes. No raiar do dia, sujeito que fosse visto de perna trespassada, ainda ferida verde, podia contar, era o lobisomem.
(O coronel e o lobisomem, 1980.)
Explique a razão pela qual o narrador atribui o adjetivo “verde” ao substantivo ferida, no último período do texto.