(UNESP - 2017/2 - 2ª fase - Questão 30)
Para responder à(s) questão(ões) a seguir, leia o segundo capítulo do romance Iracema, do escritor José de Alencar (1829-1877), publicado em 1865.
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da 1graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da 2jati não era doce como seu sorriso, nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da 3oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o 4aljôfar d’água ainda a 5roreja, como à doce 6mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do 7gará as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa 8ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras, remexe o uru9 de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do 10crautá, as agulhas da 11juçara com que tece a renda e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas. 12Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão 13lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a 14uiraçaba e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a 15flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
– Quebras comigo a flecha da paz?
– Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
– Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram e hoje têm os meus.
– Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.
Iracema, 2006.
1graúna: pássaro de cor negra.
2jati: pequena abelha que fabrica delicioso mel.
3oiticica: árvore frondosa.
4aljôfar: pérola; por extensão: gota.
5rorejar: banhar.
6mangaba: fruto da mangabeira.
7gará: ave de cor vermelha.
8ará: periquito.
9uru: pequeno cesto.
10crautá: bromélia.
11juçara: palmeira de grandes espinhos.
12ignoto: que ou o que é desconhecido.
13lesto: ágil, veloz.
14uiraçaba: estojo em que se guardavam e transportavam as flechas.
15quebrar a flecha: maneira simbólica de se estabelecer a paz entre os indígenas.
Examine o seguinte trecho: “O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu.” (12º parágrafo)
A quem se refere o pronome “eu”?
Reescreva este trecho em ordem direta, substituindo o pronome “o” pelo seu referente.